terça-feira, 7 de maio de 2013

LAICIZAÇÃO DO ESTADO: DAS CONQUISTAS HISTÓRICAS ÀS POLÊMICAS ATUAIS.




Omar de Araújo Freitas.

Introdução
Por meio de sua colonização o Brasil sempre foi um país predominantemente Católico, e apesar da Constituição de 1988 definir definitivamente o País como um Estado laico, na pratica ainda vemos posicionamentos  que nos mostram que ainda temos muito o que mudar com relação a forma de pensar e reduzir o preconceito religioso nas novas gerações de Brasileiros.
Esse preceito da constituição é bem amplo, pois segundo Alexandre de Morais, “A religião é o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adorações do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral ,a liturgia e o culto. O constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias ,filosofias e a própria diversidade espiritual”

  1. Decorrer histórico

Por meio desse breve artigo, veremos como foram as mudanças graduais das constituições já existentes no país, iniciando pela constituição de 1824, segue abaixo trecho dos artigos iniciais da referida constituição, Outorgada por D. Pedro I.
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
 EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE.
TITULO 1º
        Do Imperio do Brazil, seu Territorio, Governo, Dynastia, e Religião.
        Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.
        Art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.
        Art. 3. O seu Governo é Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo.
        Art. 4. A Dynastia Imperante é a do Senhor Dom Pedro I actual Imperador, e Defensor Perpetuo do Brazil.
        Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.”
Como pudemos observar , nesse período era permitido a crença ,mas restringia a liberdade de culto somente para a Religião católica, as outras somente poderia ter seu culto “doméstico”.
Com a transição do Império para República em 15 de novembro de 1889 ,tivemos a 1ª Constituição da República em 24 de fevereiro de 1891,onde no seu artigo 72,§3 foram consagradas as liberdades de crença e culto, como podemos ver em seguida:
    Art 11 - É vedado aos Estados, como à União: 
               2 º ) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; 
        Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 
                § 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum. 
§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.”

    § 28 - Por motivo de crença ou de função religiosa, nenhum cidadão brasileiro poderá ser privado de seus direitos civis e políticos nem eximir-se do cumprimento de qualquer dever cívico. 
        § 29 - Os que alegarem motivo de crença religiosa com o fim de se isentarem de qualquer ônus que as leis da República imponham aos cidadãos, e os que aceitarem condecoração ou títulos nobiliárquicos estrangeiros perderão todos os direitos políticos. 

A partir dessa constituição foi criado o conceito de estado laico no Brasil, essa nova previsão constitucional foi seguida por todas as nossas outras constituições, então segundo Alexandre de Morais “A constituição federal ao consagrar a inviolabilidade de crença religiosa, está também assegurando plena proteção á liberdade de culto e suas liturgias”.
Já na constituição seguinte, de 1934 , foi definido que as associações religiosas ganhavam personalidade jurídica nos termos da lei civil ,conforme podemos ver em seguida:
Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 
4) Por motivo de convicções filosófica, políticas ou religiosas, ninguém será privado de qualquer dos seus direitos, salvo o caso do art. 111, letra b .
   

        5) É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costume. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil.
   6) Sempre que solicitada, será permitida a assistência religiosa nas expedições militares, nos hospitais, nas penitenciárias e em outros estabelecimentos oficiais, sem ônus para os cofres públicos, nem constrangimento ou coação dos assistidos. Nas expedições militares a assistência religiosa só poderá ser exercida por sacerdotes brasileiros natos.
Com relação a constituição de 1937 ,não há pontos a serem ressaltados ,com relação á conquistas, exceto o fato curioso ,em que a mesma suprimiu o nome de Deus em todo o seu texto, o que vem a ser um fato positivo ,pois há diversos posicionamentos contrários a essa inclusão da nomenclatura “Deus” nos textos constitucionais, como exemplo podemos ver a polemica causada por essa inclusão no preambulo da nossa constituição vigente, o que gerou três posicionamentos doutrinários diferentes ,uma afirma que a inclusão no texto tem força coativa, a segunda diz tratar se de apenas um texto sem valor coativo ,já a terceira posição diz que o texto afirmado no preâmbulo somente terá força se for repetido no texto constitucional.
A partir dessa constituição tivemos a de 1946, sob o governo de Eurico Gaspar Dutra, e a de 1967 e sua emenda nº1 em 1969, até chegarmos à constituição atual, de 5 de outubro de 1988.
Com a nova constituição novos direitos e conquistas foram abrangidas, mas esse assunto ,laicidade, por ser polêmico ainda é muito complicado para nossa realidade ,pois somos o povo etnicamente mais variado possível ,pois somos o produto da “fusão” de todo o globo terrestre em um só povo ,claro dando enfoque principal aos africanos ,Europeus e Indígenas, cada um com suas culturas e religiões características.
A constituição de 1988 é sem duvida, a que finalmente nos trouxe uma segurança jurídica quanto á liberdade religiosa ,conforme poderemos ver a seguir em breves comentários de seus artigos que tratam sobre o assunto:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

Isto é, a liberdade de crença inclui a de não crer em nada, ou seja, ser Ateu ,ou a de trocar de religião ,já a liberdade de culto, segundo Jose Cretella Jr , “Na verdade ,não existe religião sem culto ou ritual, pois as crenças não constituem por si mesmas uma religião.Se não existe culto ou ritual, correspondente á crença ,pode haver posição comtemplativa, filosófica, jamais uma religião”.
Em um breve comparativo com a constituição de 1824 podemos ver nitidamente a evolução histórica da nossa constituição, pois no caso da primeira, a liberdade de crença era permitida, mas era restrita somente á religião Católica Apostólica Romana, as outras também eram permitidas, mas restrito o seu culto a casas “domesticas” ou “particulares” que deveriam ser discretas, sem forma de igreja , por outro lado, se a igreja católica gozava de certas liberdades, sua proximidade com o estado claramente trazia uma intervenção abusiva em seu funcionamento interno, pelo Estado .
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Nesse artigo a nossa constituição, admite um certo contato da Igreja com o Estado,mas restringindo a questões somente de interesse público , outro artigo que trata da mesma questão, e serviu para evitar embaraços em questões tributarias é o artigo 15 ,VI ,b:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
b) templos de qualquer culto.
3. Polêmicas Atuais e Conclusão

Com todos os assuntos abordados chegamos a uma conclusão, sim, o brasil é um Estado Laico ,e de todos os preconceitos que infelizmente ainda persistem ,o religioso seria o menor deles, porém diversas questões frequentemente  são motivos das mais acaloradas discussões de entidades religiosas ,políticos e representantes do poder judiciário. O ensino religioso, por exemplo, a Constituição no art 210 §1 ,estabelece ser de matricula facultativa, mas como veremos a seguir no seguinte decreto presidencial ,algumas “palavras” careceram de imparcialidade:

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008.

Artigo 11 
A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. 
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação. 
Assim como essa, outras questões são levantadas com relação à laicidade do Estado, exemplo disso é o grande simbolismo religioso (católico) encontrado nas mais diversas repartições públicas, assunto sabiamente discorrido por Fernando Capez em seu artigo “O Estado laico e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicasCabe ao Estado e à sociedade em geral não encorajar manifestações de intolerância daqueles que se sintam ofendidos pela livre expressão da fé alheia."
Outro assunto extremamente polêmico e totalmente prejudicial as mais diversas liberdades é uma proposta de emenda à constituição (Nº99/2011) de autoria do deputado João Campos que Acrescenta ao art. 103, da Constituição Federal, o inciso X, que dispõe sobre a capacidade postulatória das Associações Religiosas para propor ação de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a Constituição Federal, essa proposta claramente é maléfica, pois apesar das associações religiosas representarem um  segmento da mais alta importância para a vida  nacional, assim como as outras mais diversas associações ,algumas deles tem pontos de vista restrito e imutável sobre certos assuntos, exemplo disso é um certa crença religiosa que alega ser proibido certos procedimentos médicos ,como por exemplo transfusão de sangue, que claramente cria um conflito entre a liberdade religiosa e o direito á vida.
Para finalizar, segue trecho do livro Direito Constitucional Positivo,do autor Kildare Gonçalves de Carvalho, pág 435:
“Sendo o poder religioso expansionista por excelência ,mesmo que simbólico,toda religião tende a ditar normas capazes de regular a vida cotidiana,utilizando-se para tanto, de mecanismos e instrumentos da democracia ,em especial os partidos políticos.E para sobreviver ,o poder politico deve subtrair –se a influencia do poder religioso,concedendo o mesmo status a todas as religiões ,expressão de tolerância,bem como negar a todas as igrejas o direito de colonizar os assuntos civis,públicos ou políticos ,expressão da laicidade.”
Fica uma questão, como fazer nos inúmeros casos em que políticos assumiram o seus mandatos à custa de influências religiosas?

4.Referências Bibliográficas

BRASIL.Constituição de 1988.disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> acesso em 03/05/2013.
BRASIL.Constituição de 1934.disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm>acesso em 03/05/2013.
BRASIL.Constituição de 1937.disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm>acesso em 03/05/2013.
BRASIL.Constituição de 1824,disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>acesso em 03/05/2013.
BRASIL.Constituição de 1891.disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao91.htm>acesso em 03/05/2013.
CRETELLA JUNIOR, José. Liberdades públicas, p. 103
CAPEZ,Fernando.”O Estado Laico e a Retirada de símbolos Religiosos de Repartições Públicas”.disponível em<http://capez.taisei.com.br/capezfinal/index.php?secao=27&con_id=5528ARTIGOS> acesso em 03/05/2013

AFONSO DA SILVA, Jose. Curso de Direito Constitucional Positivo.24º Ed.EDITORA MALHEIROS:2005
MORAIS, Alexandre de.Direito Constitucional.24º Ed.EDITORA ATLAS:2009,2ªReimp. ISBN 978-85-224-5401-3
CARVALHO,Kildare Gonçalves. Direito Constitucional.11º Ed.EDITORA Del Rey:2005 -ISBN 85-7308-774-9