quarta-feira, 8 de maio de 2013

A VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO NORDESTE BRASILEIRO




Amanda de A. Gueleres.

INTRODUÇÃO
Este artigo irá retratar o drama sofrido pelas pessoas que enfrentam a seca no nordeste brasileiro. A falta de chuva é um problema natural, mas suas consequências se agravam pela falta de atuação dos poderes públicos nessas regiões.
Tales de Mileto, um dos primeiros filósofos de que se tem noticia, já dizia que a água era a substância básica para todas as coisas. Portanto como as pessoas podem ter uma vida digna e uma alimentação saudável se lhes faltam essa substancia básica?
Esses problemas sociais decorrentes da seca no nordeste sempre existiram no Brasil. Inclusive diversos autores já escreveram obras que se tornaram clássicos da literatura relatando o sofrimento dessas pessoas. Um exemplo é o livro Vidas Secas de Graciliano Ramos, escrito em 1938, que retrata a trajetória de uma família que vivia no sertão e sofria com a seca.
Outra história famosa é a de Antonio Conselheiro, retratada no livro Os Sertões de Euclides da Cunha. O que aconteceu em Canudos foi uma afronta aos direitos humanos, sendo que naquela época o exercito brasileiro tirou a vida de pessoas humildes que buscavam por uma solução de vida melhor.
Podemos associar hoje a situação do nordeste com aquela época. O descaso do Estado deixa milhões de pessoas na miséria e sem ter como reagir diante situações impostas pela seca. Enquanto pessoas se aproveitam dessas situações para obterem vantagens e ganhar lucro. E ainda existe uma grande desigualdade nessas regiões. Porém há soluções viáveis para diminuírem os impactos causados por essas estiagens.
1. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO
O constituinte de 1988 atribuiu como fundamento do Estado democrático brasileiro o princípio da Dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da Constituição Federal). Portanto, as normas brasileiras devem assegurar os direitos básicos e fundamentais que garante a todo cidadão uma vida digna, independente de sua posição social, cor, etnia, religião ou sexo.
O termo dignidade da pessoa humana tem um significado bastante amplo, isso porque pode variar de pessoa para pessoa ou de país para país. Porém está entre os princípios que regem todo o ordenamento jurídico brasileiro e por isso as normas brasileiras devem estar de acordo com esse princípio e deve ser usado também nas interpretações judiciais.
O Estado foi criado para trazer benefícios à vida em sociedade, ou seja, ao ter seus direitos resguardados pelo Estado o cidadão espera ter a garantia de que sua segurança, sua vida, saúde, bem estar, trabalho, entre outros direitos básicos sejam proporcionados e protegidos.
A dignidade da pessoa humana é norma constitucional de eficácia plena, não exige a criação de outra lei infraconstitucional para ser aplicada. Portanto ela deve ser usada e respeitada. Trata-se de respeitar qualquer cidadão como pessoa humana, sem submetê-lo a situações desumanas ou que o diminua como pessoa.
O referido princípio fundamental pode se tratar de uma limitação do Estado, ou seja, as normas e as praticas daqueles que detêm o poder político devem sempre visar o bem comum da sociedade tendo como principal objetivo proporcionar uma vida digna a todos os cidadãos.
Em um país globalizado e capitalista como o Brasil é fundamental que o Estado proporciona o desenvolvimento e a educação nas diversas regiões. Aquelas regiões em que a vida é mais precária, por exemplo, é necessária maior atenção dos poderes públicos para que não haja desigualdade no território nacional. Nem sempre aquele que visa à igualdade consegue chegar ao seu objetivo por que não entende que certas regiões necessitam receber maiores recursos e ter uma administração mais eficiente.
È interessante ressaltar que o Principio da dignidade da pessoa humana tem como consequências a proteção dos direitos fundamentais, sendo que tais direitos não podem ser transmitidos e nem renunciáveis. Cada individuo tem direito a proteção de sua vida, sua saúde, sua educação, sua propriedade e não podem abrir mão disso. Então não podemos alegar que um cidadão escolheu viver em uma situação desumana, ou que ele vive em uma região onde a vida é precária por escolha própria sendo que ali está sua propriedade, seus bens e toda a sua vida.
2. A SECA NO NORDESTE BRASILEIRO
Dados confirmados pela ONU (Organização das Nações Unidas) alertam que o povo nordestino enfrenta a maior seca dos últimos 50 anos, são mais de 1.400 municípios atingidos.
O fenômeno natural que afeta a população nordestina brasileira sempre existiu. Correntes de ar que viajam por oceanos, influenciadas pelas geleiras do Pólo Norte, determinam as chuvas e a seca nessa região.
Para facilitar os serviços prestados pelo governo nessas áreas de seca, foi criada em 1936 a lei 175 que determinou o chamado Polígono das Secas demarcando quais Estados eram afetados por esse clima.  Inicialmente a divisão regional compreendia oito Estados, porém foi preciso criar em 1951 a lei 1.348 que revisse essa demarcação.
O povo nordestino que enfrenta secas como essa de 2013 encontra na sua fé a única esperança de uma vida digna. Os períodos de estiagem causam no nordeste brasileiro uma calamidade publica, deixando centenas de pessoas em estado de miséria sem recursos básicos para uma vida saudável.
O abastecimento de água é feito por caminhões pipas na maioria das cidades afetadas pela seca. Esses caminhões buscam água de muito longe e geralmente não conseguem atender a demanda. As famílias chegam a esperar por três dias para a chegada da água que nem sempre é limpa e ainda não supri a necessidade de todos.
Com os açudes e represas secas ou abaixo do nível a população de pequenos agricultores e pecuaristas fica sem o recurso essencial para desenvolver seus trabalhos, a água. São centenas de animais mortos ou totalmente desnutridos e plantações devastadas.
Em algumas regiões proprietários de cabeça de gados pagam caro para transportá-los para outros Estados, esses animais são tratados por outros fazendeiros durante todo o período da seca, em troca muitos fazendeiros ficam com metade do gado. Porém, em alguns municípios os animais já não suportariam a viagem que dura cerca de dois dias. Para aqueles que não têm condições de pagarem pelo procedimento, resta ter a dor de ver os animais morrerem.
A saúde também é prejudicada nessas épocas, devido à falta de alimentação, o consumo de água não potável e o clima seco. Entretanto o Estado não garante o acesso à saúde pública de qualidade para toda a população, principalmente aquelas que vivem nas áreas rurais. O Jornal da EPTV realizou uma série de reportagens, sendo que o ultimo episódio foi ao ar na ultima sexta feira (3/5), sobre um grupo de profissionais da área da saúde entre médicos, enfermeiros e dentistas que voluntariamente saem dos seus lares no interior paulista e vão prestar serviços nessas regiões afetadas pela seca. Faz treze anos que esse trabalho é realizado, são inúmeros atendimentos e cirurgias realizados por esses profissionais em pouco tempo, transformando a vida de pessoas, sem receberem nenhuma verba.
Em uma dessas viagens realizadas por esses voluntários, chama a atenção o fato de um médico da cidade de Ribeirão Preto levar para a prefeitura das cidades um banner constando os Direitos Humanos Universais.
Há um numero muito grande de analfabetos nessas áreas, o que indica que a educação também deixa a desejar. Faltam maior investimento e apoio do governo brasileiro para essas populações nordestinas.
Existem regiões no nordeste que são totalmente esquecidas e abandonadas pelo poder público e essas pessoas por falta de instrução não sabem que seus direitos estão sendo violados. Com fé e humildade essas pessoas atribuem tal sofrimento ao fato de ser vontade de Deus, e na suas devoções espera dos céus um milagre, já que na terra os homens se recusam a ajudar.
Sem recursos para sobreviver diversas famílias abandonam lares em busca de água e de uma vida melhor. O êxodo rural é comum no Nordeste Brasileiro, a população abandona a área rural, que já não oferece chances de criar animais ou plantar, e vai viver nas cidades em busca de empregos.
Porém a seca também prejudica os industriais. Recentes dados divulgados pela TV globo revelam que a produção de castanha do caju no Rio Grande do Norte teve queda devido à falta de chuva. Alguns produtores para não perderem clientes estão importando caju da África. O que significa desemprego nas cidades.
Muitas pessoas arriscam saírem dos seus Estados em busca de uma vida melhor. Na cidade de Guaíra, por exemplo, notam-se várias republicas que abrigam trabalhadores rurais vindo da região nordeste brasileira. Para eles restam os serviços braçais já que a maioria não possui nenhuma qualificação.
O poder público brasileiro é ineficaz nessas regiões. O que ocorre é uma violação ao principio da dignidade da pessoa humana e conseqüentemente aos princípios fundamentais assegurados pela nossa Constituição Brasileira, no momento em que nega para essa população o direito a saúde, educação e a alimentação. È inaceitável que pessoas tenham que manifestar para que suas cidades sejam abastecidas com água.
3. A INDÚSTRIA DA SECA
È fato que os problemas causados pela seca no nordeste brasileiro se estendem desde muitos anos. O que não se entende é o motivo das pessoas ainda serem tão afetadas e viverem períodos de miséria durante essas estiagens.
O drama do sertão é sempre anunciado nas propagandas políticas como promessas de soluções e investimentos e nisso os políticos aproveitam para ganhar votos desse povo esperançoso.
Existem programas do Governo que beneficiam famílias nessas regiões, é o caso da bolsa família. Mas esses programas não são suficientes para evitar a miséria, visto que o dinheiro pode até comprar o alimento, mas não trará água para as pessoas e os animais.
Já foram feitas diversas denuncias sobre o mau uso do dinheiro publico aplicado nessas regiões. São obras que nunca ficam prontas ou poços construídos em terrenos particulares inclusive de deputados.
Além de o povo nordestino sofrerem com a seca e suas causas existe o problema da desigualdade, onde poucas pessoas têm acesso aos serviços que deveriam ser garantido a todos.
A seca gera lucro para muitas pessoas e isso se torna um ciclo vicioso de favores e promessas difícil de acabar. Há relatos de moradores que afirmam pagarem caros por caminhões pipas que trazem água de terrenos particulares, sendo em alguns casos a única maneira de manter vivos os animais.
Para esse ciclo de corrupção que agrava a situação nessas regiões de seca foi dado o nome de Indústria da Seca, onde políticos e pessoas de grande influência se aproveitam da situação de calamidade para explorar e obter benefícios particulares.
4. AÇÕES QUE AMENIZAM OS IMPACTOS DA SECA
Muitas ações já foram feitas pelo Governo Brasileiro para tentar diminuir os impactos causados pela seca. Dentre elas estão programas sociais como bolsa família, distribuição de cestas básicas, construção de cisternas, recuperação de poços, bolsa estiagem, garantia safra e venda de milho.
A bolsa estiagem é um beneficio para aquelas famílias de agricultores que vivem em locais que foi decretado estado de calamidade pública. A garantia safra é um seguro que prevê a renda mínima de pessoas que perderam suas safras. E por fim, a venda de milho é a venda de grão por um preço mais baixo para as famílias alimentar seus rebanhos.
Além disso, volto a ressaltar a distribuição de água por caminhões pipas, que apesar de não suprir toda a necessidade ajuda a manter muitas famílias por meses.  Ao longo desses anos foram construídos também diversos poços artesianos e açudes que abastecem várias cidades.
Em 1909 foi criado através do Decreto 7.619 a Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS), esse órgão tinha atuação direta no Nordeste brasileiro, responsável pela distribuição das verbas e construção de obras que amenizasse os impactos no semi-árido.  Em 1945 esse órgão recebeu a atual denominação Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), se tornando uma autarquia federal pela lei 4229/63.
A DNOCS foi responsável pela criação de diversas obras de engenharia, como estradas, açudes, poços, pontes e hospitais. Entretanto notamos que tais ações ainda são insuficientes, visto que são milhões de pessoas sofrendo com a seca, vivendo em estado de miséria, agarrando-se na fé para que um dia ainda tenham uma vida digna de um cidadão brasileiro.
Outra ação que já teve resultados nas regiões do semi-árido brasileiro é a criação de usinas eólicas. Essas usinas produzem energia através de fonte renovável e além de economizar água abastece um grande numero de cidades. Mas essa idéia precisa ser mais aproveitada, existem no território brasileiro parques eólicos que não estão em funcionamento.
Em alguns lugares, como na Califórnia (EUA) e em Israel, programas de desenvolvimento ajudam a população a produzir alimentos em regiões que apresentam também pequenas incidências de chuvas. È preciso um estudo e uma organização sobre o que plantar nessas regiões e como elaborar o processo de irrigação. Não é algo impossível, o que falta é pessoas interessadas e capacitadas para ajudarem.
O nordeste brasileiro possui um grande numero de água subterrânea. 

Apesar de ser uma tarefa difícil utilizar água que se encontra no subterrâneo por ser uma fonte não renovável, o Governo brasileiro poderia gerenciar recursos para que diminua impactos em épocas trágicas como essa seca de 2013.
CONCLUSÕES
O Governo Brasileiro anuncia diariamente sobre os preparativos para a Copa das Confederações nesse ano e a Copa do Mundo no ano que vem. Enquanto isso o Nordeste Brasileiro enfrenta a maior seca das ultimas décadas.
São milhares de pessoas tendo seus direitos fundamentais violados. Um cemitério de animais ao céu aberto. Centenas de municípios já decretaram estado de emergência e os caminhões pipas oferecidos pelo Estado não conseguem atender a demanda.
O que se espera é uma atuação mais eficiente dos poderes públicos, uma solução para que as próximas gerações e nos próximos anos a seca não traga tanta miséria para essa população. Já que a seca é um problema natural impossível de se acabar.
Muitas propagandas políticas trazem promessas de uma vida melhor para os nordestinos, acontece que essas obras precisam ter mais celeridade e a fiscalização deve ser severa.
Espero que esse artigo possa chamar a atenção para o sofrimento nessas regiões de pobreza e ajude na criação de outros trabalhos, sobre um tema tão importante no nosso Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PINHO, R. C. R. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

BESTER, G. M. Direito Constitucional: Fundamentos Teóricos. V. 1. São Paulo: Manole, 2005.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, Globalização Econômica e Integração Regional: Desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002.

FON, Carlos Antonio. As Causas da Seca Nordestina. Revista Super Interessante. 1994. Disponível em: <http://super.abril.com.br/ecologia/causas-seca-nordestina-440989.shtml>. Acesso em 04 maio. 2013.


Disponível em: <http://www.dnocs.gov.br/>. Acesso em 28 abr. 2013.

Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/jornal-da-eptv/videos>. Acesso em 04 maio. 2013.

Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/observatoriodaseca/index.html> Acesso em 04 maio. 2013.