Raphael Jorge Moraes Zago
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem
por escopo a discussão acerca da constitucionalidade do inciso V-A e §5º do
art. 109 da Constituição Federal de 1988, instituído pela Emenda Constitucional
45/2004, que estabelece uma nova forma de competência da Justiça Federal, tendo
para isso, que deslocar a causa da Justiça Estadual onde estava tramitando,
para a Justiça Federal. Lembrando-se que essa norma somente se consagra quando
a causa versar sobre grave violação dos direitos humanos, o que se torna
polêmico também, visto que não existe um rol do que é grave violação de
direitos humanos passível do deslocamento.
Em sede de Ação Direita
de Inconstitucionalidade (ADI 3486 e 3496), a norma vem sendo discutida até hoje
perante o Supremo Tribunal Federal, impetradas por entidades como a Associação
dos Magistrados Brasileiros – AMB e Associação dos Magistrados Estaduais –
ANAMGES, sendo apoiados ainda por entidades, através da intervenção amicus curiae, como é o caso da
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP. Passemos à
análise e discussão do tema.
1
– DO INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA
Com o advento da Emenda
Constitucional, 45 de 30 dezembro de 2004, restou inserida no ordenamento
jurídico brasileiro a norma que trata a respeito desse Instituto.
Elaborada, publicada e
posta em vigor, esta passou a figurar no art. 109, V-A e no § 5º do mesmo
artigo, da Constituição Federal. Vejamos:
“Art.
109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
V-A as
causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;
§ 5º Nas hipóteses de
grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a
finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá
suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito
ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.”
O Incidente de
Deslocamento de Competência - IDC tem por finalidade “federalizar” as causas
relativas a crimes que violem os direitos humanos constantes de tratados
internacionais dos quais o Brasil faça parte. Entende-se por “federalizar”
quando do deferimento do pedido de deslocamento da competência da Justiça
Estadual para a Justiça Federal.
O fim visado pela introdução
de tal norma é intrinsecamente obter uma resolução para a causa de maneira
imparcial, através de rigorosa investigação e maior comprometimento no processo
e julgamento dos crimes que violem os direitos humanos, tendo em vista a
inércia e o desinteresse da Justiça Estadual, devidamente comprovado, como
requisito essencial para a instauração do IDC. O interesse da União, nesse caso
é cumprir os pactos realizados em tratados internacionais de direitos humanos,
reprimindo e punindo qualquer tipo de violação desses direitos, sob pena de
sofrer sanções administrativas das Cortes Internacionais pelo descumprimento do
que foi acordado entre os signatários.
A norma que introduz o
Incidente de Deslocamento de Competência veio através da chamada Reforma do Judiciário,
que observando a fundo o seu intuito, pode-se obter a conclusão de que foi sim
uma grande inovação no Poder Judiciário, uma vez que modifica toda uma
estrutura já formada e concretizada acerca da competência já estabelecida no
ordenamento.
Com isso, surgiram
inúmeros debates e inclusive Ações Diretas de Inconstitucionalidade da norma
aqui tratada. Esses entraves que colocam em pauta a constitucionalidade e até
mesmo a eficácia da norma serão abordados em momento oportuno.
Segundo
depreende-se da norma que define e institui o Incidente de Deslocamento de
Competência, bem como dos casos já existentes no Brasil e da lição de Pedro
Lenza[i]
são estabelecidos requisitos para que torne legítima a modificação da
competência para o julgamento da causa violadora dos direitos humanos.
Portanto, são eles:
a)
Existência de grave violação a direitos
humanos. b) Risco de responsabilização internacional decorrente do
descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; c)
Incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas
efetivas.
Dessa
forma, estando presentes tais requisitos, cabe ao Procurador Geral da
República, caso lhe pareça conveniente, impetrar o IDC frente ao Superior
Tribunal de Justiça, sendo este, o órgão competente para o julgamento do
pedido.
2
– OS CASOS EXISTENTES NO BRASIL
É imprescindível ao
tratar de determinado tema abordar os casos em que foi requerido o IDC na
Justiça brasileira. Após a introdução do IDC, o mesmo somente foi requerido por
duas vezes, sendo certo que em muitos outros casos existentes seria passível o
deslocamento da competência se a medida fosse realmente eficaz. O requerimento foi efetuado em
dois casos de extrema repercussão no país. Foram eles:
a) IDC 1/PA, no caso da Missionária Dorothy
Stang[ii]: nessa ocasião, o pleito
pelo deslocamento da competência foi indeferido, visto que ausente um dos
requisitos necessários para a efetiva federalização da causa: o descaso da
Justiça Estadual com relação ao fato. Nesse sentido, o trecho fundamental do
indeferimento:
4.
Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos
fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com
o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará
dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos
humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária
para a justiça federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de
dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho,
utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim,
que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de
direitos humanos. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a
justificar que se acolha o incidente. (grifo nosso).[iii]
b) IDC 2/DF, no caso
Manoel de Matos Bezerra[iv]:
este foi, no entanto, o único julgado que foi deferido o incidente de
deslocamento de competência, uma vez que ficou clara a grave violação dos
direitos humanos, o descumprimento de tratados internacionais, visto que obteve
repercussão internacional e ainda, o terceiro requisito que ficou latente ao
observar-se que a Justiça Estadual, naquela ocasião, encontrava-se de mãos
atadas, e ainda se manifestou a favor do deslocamento.
O que realmente se faz
necessário buscar é a eficácia e a pertinência da norma, sem falar ainda na
possível inconstitucionalidade da mesma, tendo em vista que fere princípios e
institutos constitucionais solidificados, bem como cláusulas pétreas da nossa
Carta Magna.
3
– A DISCUSSÃO ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA
A chamada Reforma do
Judiciário advinda da emenda constitucional nº 45/2004 trouxe novos textos à
letra da Carta Magna, gerando além de uma reforma eficaz, certos conflitos pela
ocasião de normas, possivelmente maculadas com vícios inconstitucionais, o que
muito se discute desde a entrada em vigor da norma até os dias de hoje, principalmente
sobre o chamado Incidente de Deslocamento de Competência.
O debate acerca da
constitucionalidade da referida emenda já existe até mesmo antes da entrada em
vigor da mesma. Com isso, após a sua vigência, diante da impetração do primeiro
Incidente de Deslocamento de Competência frente ao Superior Tribunal de
Justiça, foram instauradas duas Ações Direta de Inconstitucionalidade contra a
norma, voltando a se debater a respeito. Do ponto de vista aqui analisado,
assistem razão aqueles que se manifestam contra a aplicação da norma. Vejamos:
De início, cumpre salientar que o deslocamento da
competência para a Justiça Federal, conforme argumento utilizado pela
Associação Nacional de Magistrados Estaduais – ANAMAGES na ADI nº 3493/2005 “interfere
diretamente na forma com que se irá interpretar e desenvolver a atividade
jurisdicional dos Magistrados estaduais em relação aos direitos humanos”.
3.1 – Eficácia e pertinência da
aplicação do IDC
Diante de tanta manifestação contrária à norma que
trata do incidente de deslocamento de competência, cabe fazer uma análise
acerca da eficácia e da pertinência da “federalização”, uma vez que, vinculado
ao ordenamento jurídico brasileiro desde 2004 foi requerido apenas duas vezes,
sendo, em uma delas indeferido conforme visto anteriormente.
No Brasil existem outros casos dos quais cabe ou
caberia o incidente de deslocamento de competência, como por exemplo, no
massacre do Carandiru, entre outros.
Baseando-se nisso, se a “federalização”, é tão
eficaz como argumentam os entes e sujeitos que são a favor da mesma, por que
não seria ela utilizada mais vezes? Há falar-se em maior comprometimento da
justiça federal em detrimento da estadual?
Há uma linha tênue nesse sentido, uma vez que o
Judiciário brasileiro é, num todo defasado, e não somente a justiça estadual.
Como se explica então o próprio julgamento das ADI’s instauradas contra norma
instituída pela emenda nº 45, não ter sido julgadas desde sua instauração no
ano de 2005? Então, torna-se evidente que não se trata apenas de uma defasagem
no judiciário estadual e sim no Poder Judiciário como um todo.
3.2 – Do Princípio do Juiz e do
Promotor Natural
A nossa Lei Maior em seu art. 5º, XXXVII preleciona
que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, ou seja, estabelece o princípio
do juiz natural.
Compulsando a lição de Pedro Lenza[v]
que ensina, segundo a doutrina “o conteúdo jurídico do princípio pode ser
resumido na inarredável necessidade de predeterminação do juízo competente,
quer para o processo, quer para o julgamento, proibindo-se qualquer forma de
designação de tribunais para casos determinados”.
Já o inciso LIII do art. 5º da CF, estabelece o
princípio do promotor natural, “ninguém será processado nem sentenciado senão
pela autoridade competente”. Esse princípio foi reconhecido pelo STF no
julgamento do HC 67.759[vi],
e é uma garantia constitucional que veda a designação arbitrária de promotores ad hoc ou por encomenda. Ainda, segundo
os ensinamentos de Pedro Lenza[vii]:
“Em referido julgamento, o Min. Celso de Mello estabeleceu que o postulado do
Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro,
repele a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da
Instituição, a figura do acusador de exceção”.
Desse modo, o incidente de deslocamento de competência
instituído pela emenda 45/04 encontra-se em sentido oposto desses princípios
consagrados na Constituição Federal.
Segundo consta da ADI 3493, na manifestação da
ANAMAGES:
“As
modernas tendências sobre o princípio do juiz natural nele englobam a proibição
de subtrair o juiz constitucionalmente competente. Desse modo, a garantia
desdobra-se em três conceitos: I) Só
são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição. II) Ninguém poderá ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do
fato. III) Entre juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competência que exclui qualquer
alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja”.[viii]
Do citado acima pode-se
concluir que o art. 109, §5º da CF atenta contra os princípios supracitados,
uma vez que é criado após a ocorrência do fato, e ainda por estabelecer que o
Procurador Geral da República pode de forma discricionária impetrar o incidente
de deslocamento de competência, visto que a norma diz que “pode ser suscitado”,
ou seja, fica o IDC submetido à critério e conveniência do PGR, e ainda por não
haver qualquer parâmetro que estabeleça quais são os crimes que atentam contra
os direitos humanos suscetíveis do deslocamento de competência. Fica então,
neste caso, o acusado submetido ao processo e julgamento por autoridades
constituídas excepcionalmente e, partindo do ponto de vista que o juiz e
promotor natural são os pré-constituídos, haverá juízo de exceção, ferindo
assim os princípios aqui mencionados.
3.3 – Do Princípio da Identidade
Física do Juiz
Não obstante o Princípio da Identidade Física do
Juiz não ser objeto de apreciação nas ADI’s que estão em trâmite no STF, cumpre
salientar que a federalização fere também este princípio. Senão vejamos:
Conforme o §5º do art. 109, o Procurador Geral da
República poderá suscitar perante o STJ o incidente de deslocamento de
competência a qualquer tempo, seja na fase de inquérito, seja na fase
processual, sendo passível então de ser requerido após a audiência de instrução
e julgamento, configurando o vício aqui tratado.
O princípio da identidade física do juiz, nada mais
é do que o juiz que presidiu a audiência de instrução e julgamento, que colheu
as provas e principalmente o interrogatório do réu, deve prolatar a sentença
dos autos.
Segundo ensina Fernando da Costa Tourinho Filho[ix]
“O mais importante nesse principio é o juiz estar vis-à-vis com o réu, procurando compreendê-lo, analisando sua
personalidade, vendo sua postura, a maneira de responder às perguntas, o modo
como relata os fatos, as explicações que apresenta, as circunstâncias invocadas
e ditas de maneira convincente, ou os motivos abjectos narrados com o maior
cinismo etc.”
Com isso, torna-se evidente a interferência que o
deslocamento da competência causa nesse princípio, uma vez que pode ser
requerido a qualquer momento, tornando difícil e possivelmente menos célere a
prestação jurisdicional.
3.4 – As garantias do Devido
Processo Legal: Da Ampla Defesa, do Contraditório e da Razoável Duração do
Processo.
O devido processo legal pode-se dizer que é um
postulado “aglutinador”, uma vez que engloba vários outros princípios e
garantias que servem para que os litigantes possam atuar em juízo com igualdade.
O contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV da
CF/88) fazem parte do conjunto de garantias assegurado pelo devido processo
legal e devem ser respeitados em todos os processos que haja litigantes e
acusados.
Por ampla defesa entende-se que são as condições
dadas ao réu para que possa trazer aos autos todo o qualquer elemento tendente
a esclarecer a verdade dos fatos por ele alegados. Por seu turno, o
contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condição
dialética do processo, uma vez que diante de todo ato praticado pela acusação,
caberá igual direito de manifestação pela defesa. Nesse sentido é a lição de
Fernando da Costa Tourinho Filho[x]
“Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Assim,
a defesa não pode sofrer restrições, mesmo porque o princípio supõe completa
igualdade entre acusação e defesa.”
Nesse diapasão entende-se que havendo o deslocamento
da competência poderá ocorrer a dificuldade da produção de provas pelo réu,
visto que poucas são as cidades em que existem varas da Justiça Federal,
trazendo assim, um grande prejuízo para o réu tendo que se deslocar para
cidades longínquas para o acompanhamento processual. Além disso, o
contraditório estará sendo ferido pelo fato de o Procurador Geral da República
suscitar o deslocamento da competência ao STJ, sem oitiva dos Procuradores
Gerais de Justiça do Estado, não ocorrendo assim qualquer procedimento
dialético entre eles.
Quanto à razoável duração do processo (art. 5º,
LXXVII da CF/88), esta, assegurada a todos no âmbito judicial e administrativo
tem por objetivo garantir a celeridade processual. Uma vez que é impetrado o
incidente de deslocamento de competência, provavelmente haverá uma demora no
julgamento do incidente, e ainda, se procedente, uma possível demora na vara
federal onde foi atribuída a competência para aquela causa, gerando
consequentemente a violação do princípio constitucionalmente garantido. Nesse
sentido a lição de Marcus Vinícius Rios Gonçalves[xi]:
“Esse princípio é dirigido, em primeiro lugar, ao legislador, que deve editar
leis que acelerem e não atravanquem o andamento dos processos”.
3.5 – Do Instituto do Tribunal do
Júri
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º,
XXXVIII reconhece a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurando: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania
dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a
vida.
Pedro Lenza nos ensina em sua obra[xii] que
“essa regra de competência, contudo, não é absoluta. Isso porque, sempre que
houver instituição de competência especial por prerrogativa de função no texto
maior (CF/88), haverá afastamento da norma geral. É o que acontece nos arts.
29, X (Prefeito julgado pelo TJ); 96, III (Juízes e Promotores – TJ) (...)”
Não obstante a competência do tribunal do júri não
seja absoluta, a Constituição não engloba em suas exceções o deslocamento da
competência das causas de grave violação aos direitos humanos. Com isso, é
indiscutível a sobreposição ilegal da “federalização” nesse tipo de causa,
tendo em vista que em vários casos de grave violação dos direitos humanos,
trata-se de crime doloso contra a vida, sendo certo, constitucionalmente
estabelecido, que a competência para o julgamento nestes casos é do Tribunal do
Júri.
3.6 – Da Violação do Pacto
Federativo (cláusula pétrea) e Descriminação Odiosa contra a Justiça Estadual
Do ponto de vista federativo, conforme manifestação
da ANAMAGES extraída da ADI 3493, afirma o seu subscritor: “2. DA VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DO PACTO FEDERATIVO (violação ao inciso I do art. 60, CF/88): - o
inciso V-A e o §5° do art. 109, CF, inseridos pela EC 45, violam frontalmente a
cláusula pétrea do "Pacto Federativo", eis que se trata de uma
"intervenção federal nos Estados" de "forma branca”, visto que a
nossa Carta Maior atribui aos entes federados a autonomia como princípio básico
da forma de Estado adotada, sendo, portanto admitida a intervenção federal nos
Estados em casos específicos elencados nos arts. 34 e 35 da CF/88.
Tem-se então que a aplicação do
incidente de deslocamento de competência, incluso no V-A e §5º do art. 109,
gera visivelmente intervenção no Estado Federado, o que só poderá ocorrer no
rol taxativo do art. 34 e ainda com a observância das exigências do art. 36 da
CF.
O Congresso Nacional, por seu turno é a
favor da norma, se manifesta também na ADI 3493, dispondo o seguinte: “Por
outro lado, deve-se frisar que a atuação do Procurador-Geral da República
dar-se-á somente com "a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil
seja parte" (art. 109. §5, da
Constituição)”.
Não obstante tal manifestação do
Congresso Nacional, atribuindo ao Procurador Geral da República apenas a
finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações dos tratos internacionais,
pode-se concluir que a “federalização” gera uma descriminação
odiosa em relação a Instituições como o Ministério Público Estadual e Justiça
Estadual, visto que põe em xeque a capacidade destes de investigar, processar e
julgar tais crimes.
Vale frisar que a legitimidade do
Procurador Geral de República de impetrar o incidente de deslocamento de
competência gera uma espécie de chefia do PGR sobre os PGJ’s. Tal figura traz à
tona novamente, porém com outra aparência a antiga avocatória revogada pela legislação, sendo que consagra o Estado
unitário ao invés do Estado Federado, já que não se está “federalizando” e sim
unificando tudo para a União, conforme manifestação da ANAMAGES na ADI 3493[xiii].
Conclusão
Por todo o exposto, resta evidentemente mais fácil e
inequívoco se debater acerca da constitucionalidade da “federalização”,
instituída pelo inciso V-A e §5º do art. 109 da CF/88.
A presente norma veio com a função de garantir melhor
prestação jurisdicional no âmbito de crimes de grave violação aos direitos
humanos e de preservar e cumprir os pactos feitos pelo Brasil que tratam sobre
esses direitos. Porém, o que vemos não passa apenas de uma figura
intrinsecamente inverídica. Pois, o único caso de IDC deferido até hoje, desde
a entrada em vigor da norma, demorou cerca 02 anos, e isso no ano de 2010. E,
para complementar a ineficácia da norma, a causa “federalizada” ainda não foi
levada a julgamento. Portanto, observa-se que esse dispositivo é gritantemente
inconstitucional, ferindo vários princípios e institutos do ordenamento
jurídico. O Judiciário é nacional, sendo que a Justiça Estadual tem condições
de julgar os fatos. É absurdo subverter a ordem dessa maneira. Cria-se, na
percepção comum, algo que não é verdade, de que a Justiça Federal é mais
isenta. Absurdos jurídicos que precisam ser revistos.
Referências
·
LENZA, Pedro. Direito Constitucional
esquematizado / Pedro Lenza. – 17. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013.
·
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.
Processo Penal, volume I/ Fernando da Costa Tourinho Filho. – 34. ed. rev. E de
acordo com a Lei n. 12.403/2011 – São Paulo: Saraiva, 2012.
·
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito
processual civil esquematizado / Marcus Vinícius Rios Gonçalves. – 3. ed. rev.
e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013.
·
21/SET/12 -
Comissão quer dar celeridade ao julgamento do caso Manuel Mattos. Disponível
em: http://www.sedh.gov.br/clientes/sedh/sedh/2012/09/21-set-12-comissao-quer-dar-celeridade-ao-julgamento-do-caso-manoel-matos.
Acesso em: 01/05/2013.
Notas
[i]
Pedro Lenza, Direito constitucional esquematizado – pg. 1084.
[ii]
IDC 1 PA 2005/0029378-4.
[iii] Trabalho de conclusão de curso apresentado
por JÉSSICA GISELE SACCHI, R.A. nº. 3241551554, do curso de Direito do Centro
Universitário Anhanguera São Paulo – Brigadeiro. ORIENTADOR. Prof. Esp. Rogério
Aparecido Ruy.
[iv] INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA Nº 2
- DF (2009⁄0121262-6).
[v] Pedro Lenza, Direito constitucional
esquematizado – pg. 1079.
[vi] Habeas
Corpus nº 67759-2 Rio de Janeiro. Relator: Ministro Celso de Mello. PACTES:
Carla Esteves de Azevedo Guedes e outra. IMPTE. Nélio Roberto Seidl Machado.
COATOR: Superior Tribunal de Justiça.
[vii]
Pedro Lenza – Direito constitucional esquematizado – pg. 915.
[viii] Petição inicial ADI 3493, ANAMAGES.
[ix]
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal – pg. 82.
[x]
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal – pg. 73.
[xi] Marcus Vinícius Rios Gonçalves, Direito
processual civil – pg. 65.
[xii] Pedro Lenza, Direito constitucional
esquematizado – pg. 1087.
[xiii]
Petição inicial ADI 3493, ANAMAGES.