domingo, 12 de maio de 2013

DO EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA



Autor: Nathan Rocha Mohamed
Professor Orientador: Ms. Fábio Rocha Caliari

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO; 2. LEGÍTIMA DEFESA; 2.1 CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA; 2.2 REQUISITOS; 3. EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA; 3.1 CONCEITO; 3.2 TIPOS DE EXCESSO; 4. CONCLUSÃO.

1. INTRODUÇÃO

                  O ordenamento jurídico brasileiro, no artigo 23 do Código Penal, prevê as causas de Exclusão da ilicitude (também conhecido como tipo permissivo), onde um indivíduo, ao praticar determinados atos julgados típicos para o Direito Penal, se encontrando em uma das condições previstas nesse artigo, não terá cometido crime, visto a causa excludente da antijuridicidade, e sim uma “conduta típica justificada”, como caracteriza Julio Fabbrini Mirabete.
                  A lei penal, portanto, dispõe que não há crime quando se tratar de ato praticado pelo agente em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de um direito.
                  Discutiremos então a excludente de ilicitude denominada “legítima defesa”, o suficiente para entendermos as causas em que a mesma é praticada em excesso, e assim estudarmos cada um de seus tipos e consequências.
                  A legítima defesa é inerente ao homem, nasceu com o homem, e não foi “criada” por ele. Por isso é impossível dizermos exatamente quando surgiu, mas sabemos que se trata de um recurso utilizado por civilizações muito antigas, e que mesmo tratado de formas diferentes ao decorrer da evolução histórica, é presente até os dias de hoje entre os mais distintos Direitos do mundo.
                  Tal excludente está presente entre as mais diversas legislações antigas, como na Lei das XII Tábuas, nas Leis atenienses de Sólon, dentre outras, sendo reconhecidos entre alguns deles direitos diversos, da vida do homem à sua honra. Na América Latina ela foi apresentada pela primeira vez em nosso Código Criminal de 1830, servindo de base assim para todas as seguintes leis penais, tanto do Brasil, quanto de vários outros países latino americanos.
                  O ato de se defender do ser humano, ao perceber perigo para si ou seus bens, é natural, instintivo, é algo que não depende de regras para que ocorra. Assim se fez necessário à sociedade e ao legislador, criarem regras para determinar, dentro de padrões aceitáveis e proporcionais os casos possíveis de legítima defesa.
                  Não podemos nos esquecer de que se trata de um recurso que, por excluir a ilicitude do ato, desfigura o crime. Sendo assim, para que não haja o uso abusivo dessa permissão constante em nosso ordenamento, é necessária a extrema cautela do magistrado, que deverá constatar todos os seus requisitos com o máximo de rigor para assim não causar injustiça.
                  A todos é assegurado o direito de defender-se quando estiver vulnerável, havendo a possibilidade de sofrer agressão injusta, pela justificativa da legítima defesa, contudo, é necessário observar que há limites que, se ultrapassados, poderão por seu excesso configurar conduta típica. E é justamente este excesso que estudaremos, não com a finalidade de exaurir, mas discutir o tema neste trabalho.

2. LEGÍTIMA DEFESA

2.1 CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

                  A legítima defesa é a segunda excludente de ilicitude prevista no art. 23, inciso II do Código Penal, e é regulada pelo art. 25 do mesmo código: “Entende-se por legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”.
                  Dentre as teorias formuladas por diferentes doutrinadores sobre a legítima defesa, encontraremos as subjetivas e as objetivas. As teorias subjetivas, a tratam como causa a exclusão de culpabilidade, fundamentando-se na perturbação de ânimo do agredido ou nos motivos determinantes do agente. Enquanto as teorias objetivas consideram a legítima defesa como causa excludente de ilicitude, estas corretas, visto que se trata de uma justificação para ter-se praticado determinado ato, impedindo a violação injusta de bem jurídico próprio ou alheio.
                  É sabido que o Estado, e somente o Estado, pode sancionar e castigar o agente de um delito. O Estado, porém, reconhece que nem sempre pode estar presente em todos os lugares ao tempo em que é cometida alguma injustiça, e assim permite a realização de atos praticados em legítima defesa, afinal nem sempre é possível que um indivíduo, ao se perceber em situação de risco por agressão a bem jurídico próprio ou alheio, aguarde pela atuação e interferência de autoridade pública. Nesses casos cotidianos de agressão injusta, atual ou iminente, portanto, é permitida pelo Estado, atendendo os demais requisitos, a atuação instintiva do ser humano de se defender, de se utilizar da justificativa da legítima defesa.
                  Para limitar, proporcional e moderadamente a utilização dessa excludente à antijuridicidade, devem ser atendidos requisitos, onde na falta de qualquer um deles, não haverá justificativa para a realização do ato de defesa. São estes requisitos: a) agressão injusta, atual ou iminente; b) direito próprio ou alheio; c) uso moderado dos meios necessários; d) elemento subjetivo: conhecimento da agressão e necessidade de defesa.

2.2 REQUISITOS

2.2.1 AGRESSÃO INJUSTA, ATUAL OU IMINENTE

                  Agressão é uma ação humana que lesa ou põe em perigo bem juridicamente tutelado ou um próprio direito. Sua presença é o que primeiro teremos de identificar na verificação da legítima defesa. É importante saber que nem sempre em uma agressão há o uso de violência (no furto, por exemplo), e que para se considerar uma provocação como agressão, deve-se considerar a intensidade da mesma.
                  A agressão somente poderá ser considerada em condutas humanas, no entanto é admitida quando se resultar de uma multidão. Na primeira situação, caso se observasse ação não humana, como para se defender de ataque de um animal, por exemplo, se trataria então de estado de necessidade, já na segunda situação a legítima defesa se consideraria contra a multidão, mesmo que somente alguns, dentre todos os indivíduos, desejassem a agressão.
                  Inicialmente, deve-se verificar uma agressão injusta, caso contrário não se admitiria a excludente de ilicitude. Uma agressão injusta é aquela proibida por lei, que não é admitida pelo Direito. Confirmada a injustiça, passa-se a verificação da atualidade ou iminência da agressão.
                  Atual é a agressão que está se iniciando, ou que já se encontra no curso de sua realização, mas que ainda não fora concluída. Já a iminente, se trata daquela que está prestes a acontecer, em que se verifique perigo concreto e que não se poderá aguardar para reagir a tal.
                  A reação do agredido nunca poderá acontecer após a imediata conclusão da agressão, visto que caso isso ocorra, não se tratará mais de legítima defesa, mas sim nada mais se justificaria a não ser um ato praticado por vingança.

2.2.2 DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO
                 
                  Todo direito é amparado pelo instituto da legítima defesa. Esse direito ou bem jurídico pode ser tanto próprioquanto alheio, de terceiros. Até mesmos os interesses que se consideram coletivos podem ser defendidos, como impedir a exposição de atos obscenos praticados por um indivíduo em lugares públicos, por exemplo.
                  É claro que, em caso de defesa de bens ou interesses jurídicos alheios, deve se fazer com a concordância de seus titulares.

2.2.3 USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS

                  Faz-se necessário, durante a proteção de direito próprio ou alheio, verificar se houve a utilização moderada dos meios necessários para a execução da defesa.
                  Os meios necessários são aqueles suficientes para, causando o menor dano possível indispensável para conter a agressão, executar com eficácia a defesa. É claro que são considerados meios necessários, aqueles dentre todos os outros meios presentes no momento, suficientes para a proporcionalidade entre agressão e defesa. Por exemplo: em um bar, para se defender de um soco que lhe seria dado por um bêbado aparentemente sem forças, o indivíduo lhe aplica apenas um empurrão, quando tinha por opção facas, garrafas de vidro, cadeiras, etc.
                  Após a escolha do meio necessário para se defender da agressão, deve-se agir com moderação quanto ao uso do mesmo, para realmente conter o dano que lhe seria causado sem extrapolar os limites, o que poderia resultar em excesso.

2.2.4 ELEMENTO SUBJETIVO: CONHECIMENTO DA AGRESSÃO E NECESSIDADE DE DEFESA

                  Passados os requisitos objetivos da legítima defesa, nos deparamos agora com seu requisito subjetivo.
                  É extremamente necessário que o sujeito que se defende tenha conhecimento da agressão que está sofrendo ou que sofrerá, e que assim, tenha a vontade de se defender. Assim como a função da legítima defesa é de defender injusta agressão, deve o defensor conhecer a agressão que é ou será praticada contra ele, pois se por acaso, o mesmo supor erroneamente uma agressão e se “defender” dela, não estará tutelado pelo instituto da legítima defesa. Não existirá legítima defesa, portanto, quando o sujeito atirar em um ladrão prestes a invadir seu comércio, pensando se tratar de um agiota que lhe cobraria antigas dívidas, por exemplo.

3. EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA

3.1 CONCEITO

                                                  Isso significa que “excesso” não é o mesmo que a falta de qualquer dos requisitos das eximentes do art. 23. Consequentemente, “excesso” significa “passar dos limites” de uma dessas causas eximentes, mas, para “passar dos limites”, será sempre necessário se ter estado, em algum momento, dentro deles. (ZAFFARONI, 2004, p. 566)
                  É possível que, ao se defender, o sujeito extrapole os limites requisitados para a legítima defesa. Isso pode acontecer quando se emprega o uso de meio desnecessário durante a conduta, ou seja, o indivíduo tinha a disposição outros meios menos lesivos e que conteriam a agressão da mesma forma, mas prefere utilizar o mais lesivo, excedendo-se em sua conduta. Poderá também o agredido, durante a defesa, se utilizar de meio necessário inadequadamente, passando dos limites ao repulsar a agressão, onde essa falta de moderação é que causaria o excesso.
                  A seguir discutiremos sobre algumas formas e tipos de excesso na legítima defesa, onde o mesmo poderá acontecer dolosa ou culposamente, além daquele onde o sujeito poderá inclusive ser absolvido. Vale lembrar que, é admitida a legítima defesa sucessiva quando, o agressor inicial, realizar uma conduta para se defender de excesso empregado na defesa do primeiro agredido.

3.2 TIPOS DE EXCESSO

3.2.1 EXCESSOS INTENSIVO E EXTENSIVO

                  Estaremos diante de uma situação de excesso intensivo quando o agente em sua conduta defensiva ultrapassa os limites da necessariedade do meio ou da moderação em sua utilização. É o excesso clássico, quando inicialmente há uma justificativa para tal ato, no entanto é extrapolada durante sua realização.
                  Quanto ao excesso extensivo, há discussões doutrinárias em relação à nomenclatura neste caso, visto que se dá este nome a situações onde o agente ultrapassada o limite temporal para agir com sua defesa legitimamente, ou quando lhe falta por completo a proporcionalidade entre ação e reação, não sendo possível assim a tutela da legítima defesa para ele. No primeiro caso, agindo após a agressão, seria descartada a defesa, e admitida, por exemplo, a vingança. Já no segundo caso, podemos citar o clássico exemplo do proprietário que atira contra uma criança que roubara maçãs em seu pomar.

3.2.2 EXCESSO DOLOSO

                  Ocorre o excesso doloso quando o agente, consciente dos limites da situação, prefere voluntariamente agir ultrapassando tais limites, excedendo-se em sua ação. Por exemplo, após ter-se defendido com um chute, e isto bastado, o agente ainda opta por dar facadas no primeiro agressor, causando-o assim lesão corporal grave. Responderá este agente, portanto, pelo excesso (lesão corporal grave) enquanto sua primeira ação (chute) estará tutelada pela excludente.
                  Nesse tipo o agente quer exceder-se e, talvez por isso, é comum o pensamento que consiste em afirmar que o excesso doloso é excludente de legítima defesa, o que não é correto. Podemos observar isso mais facilmente, quando o excesso é menos grave que a própria legítima defesa, por exemplo: o agente, dentro de todos os requisitos da legítima defesa, atira na perna do agressor contendo-o, no entanto prossegue desferindo um soco no mesmo, já imóvel. Neste caso o agente responderá apenas pelo excesso, o soco que resultou em lesão corporal leve, enquanto o tiro na perna estaria excluído pela legítima defesa.

3.2.3 EXCESSO CULPOSO

                  O excesso culposo advém de um resultado extremado não querido pelo agente, resultante de um erro de cálculo, de uma errada avaliação do agente no momento em que sofreu ou sofreria a agressão.
                  Neste caso, se faz necessário saber se o agente errou quanto à gravidade da ação defensiva em relação à agressora ou se o excesso se deu quanto ao modo que o mesmo utilizou para a repulsa. No primeiro caso, o agente pensa que o agressor, ao se aproximar armado, iria matá-lo, quando na verdade pretendia lhe roubar o relógio. Já no segundo caso, por exemplo, um professor de judô, ao ser assaltado, aplica um golpe da luta no assaltante, que ao cair no chão acaba quebrando o braço, resultado este não querido pelo agente, que buscava apenas a imobilização do agressor.
                  O excesso culposo é voluntário quando o agente quer o excesso, no entanto acredita estar dentro dos limites exigidos para a repulsa lícita da agressão, quando na verdade, acabou os extrapolando sem saber. E é involuntário quando o resultado causado pela repulsa não era o esperado, nem o querido pelo agente, mas devido à sua reação os efeitos causados foram diversos à sua vontade.
                  Observando-se como culposa a reação do agente, o mesmo responderá pelo excesso a título de culpa de determinado delito praticado por ele, verificando-se assim a imperícia, negligência ou imprudência na prática do ato resultante na extrapolação dos limites da legítima defesa.

3.2.4 EXCESSO EXCULPANTE

                  O excesso exculpante na legítima defesa é uma modalidade supralegal, ou seja, que não esta prevista expressamente em nosso ordenamento jurídico. Se trata da reação do agente por medo, perturbação de ânimo, surpresa, enfim, situações que justifiquem a diversidade dessa defesa.
                  Por exemplo, o agente apavorado pela situação de violência e ameaça que se encontra, ao defender-se com sua arma, dispara bem mais tiros que o suficiente para conter a agressão, além de mais do que ele próprio dispararia se não estivesse tomado pelo medo. Ou seja, mesmo se tratando de conduta imprópria, é justificada pela situação em que se encontrava e por isso pode ser causa considerada como excludente de culpabilidade, portanto, absolvido estaria o agente tanto pelo excesso (pela exclusão da culpabilidade) quanto pela ação em legítima defesa (pela exclusão da ilicitude).

4. CONCLUSÃO

              Para que exista uma conduta considerada como criminosa, se fazem necessários os três requisitos do crime, são eles o fato típico, a ilicitude ou antijuridicidade e a culpabilidade, sem qualquer um desses requisitos não há crime.
                  Há causas que excluem um desses requisitos, especialmente por se tratar do tema deste trabalho, temos a legítima defesa, que dentre outras, é excludente da ilicitude. Se cumpridos todos os requisitos, a reação de um indivíduo sobre injusta agressão poderá ser tutelada por essa excludente, não configurando a mesma como crime.
                  Por se tratar de tutela tão radical quanto a configuração de um crime, a lei veio para ampará-la e aplicar-lhe requisitos que deverão ser observados de forma rigorosa para que esta modalidade de auto defesa seja permitida em casos específicos, visto que o Estado não pode estar presente em todas as ocasiões para resguardar os direitos e bens jurídicos de todos.
                  Além da própria legítima defesa, seus requisitos e espécies, a lei prevê também o seu excesso, que poderá ser considerado doloso ou culposo, punível da forma como a lei dispõe os crimes dolosos e culposos. Mas também temos a modalidade de excesso que não será sancionada, o excesso exculpante, que sendo verificado excluirá a culpabilidade, portanto não havendo crime.
                  O excesso só será caracterizado durante ou iminente à agressão, já que se verificado somente depois dela, passará a ser considerado como vingança. Confirmando sua existência, o agente somente responderá pelo excesso, enquanto a reação de que se utilizou para repelir a agressão continuará tutelada pelo instituto excludente da antijuridicidade.
                  Conclui-se que todos os casos abordados neste trabalho requerem avaliações minuciosas, caso a caso, pois não se pode permitir que verdadeiros criminosos se utilizem dessa ferramenta injustamente, para se livrarem das penas que lhe seriam impostas de maneira correta. Afinal, como já afirmado pelo Des. Marco Aurélio de Oliveira do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “A lei penal não pode exigir que, sob a máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos animais de sangue frio.”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Penal.– Decreto- Lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940;

JESUS, Damásio de.Direito Penal: Parte Geral, vol.1. – 32. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2011;

ZAFFARONI, Eugenio Raúl.Manual de Direito Penal Brasileiro:Parte Geral. – 5. Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004;

NUCCI, Guilherme de Souza.Código Penal Comentado – 10. Ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010;

MIRABETE, Julio Fabbrini.Manual de Direito Penal: Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP,vol.1. – 29. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013;

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral, vol.1. – 9. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2004.

BRAZ, Priscilla Lopes. Excesso na Legítima Defesa. Disponível em: <http://www.uva.br/sites/all/themes/uva/files/pdf/excesso-na-legitima-defesa.pdf> Acesso em: 28 abr. 2013.