Autor: Nathan Rocha
Mohamed
Professor
Orientador: Ms.
Fábio Rocha Caliari
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO;
2. LEGÍTIMA DEFESA; 2.1 CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA; 2.2
REQUISITOS; 3. EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA; 3.1 CONCEITO; 3.2
TIPOS DE EXCESSO; 4. CONCLUSÃO.
1.
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico
brasileiro, no artigo 23 do Código Penal, prevê as causas de Exclusão da
ilicitude (também conhecido como tipo permissivo), onde um indivíduo, ao
praticar determinados atos julgados típicos para o Direito Penal, se
encontrando em uma das condições previstas nesse artigo, não terá cometido
crime, visto a causa excludente da antijuridicidade, e sim uma “conduta
típica justificada”, como caracteriza Julio Fabbrini Mirabete.
A lei penal, portanto, dispõe
que não há crime quando se tratar de ato praticado pelo agente em estado de
necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício regular de um direito.
Discutiremos então a
excludente de ilicitude denominada “legítima defesa”, o suficiente para
entendermos as causas em que a mesma é praticada em excesso, e assim estudarmos
cada um de seus tipos e consequências.
A legítima defesa é inerente
ao homem, nasceu com o homem, e não foi “criada” por ele. Por isso é impossível
dizermos exatamente quando surgiu, mas sabemos que se trata de um recurso
utilizado por civilizações muito antigas, e que mesmo tratado de formas
diferentes ao decorrer da evolução histórica, é presente até os dias de hoje
entre os mais distintos Direitos do mundo.
Tal excludente está presente
entre as mais diversas legislações antigas, como na Lei das XII Tábuas, nas
Leis atenienses de Sólon, dentre outras, sendo reconhecidos entre alguns deles
direitos diversos, da vida do homem à sua honra. Na América Latina ela foi
apresentada pela primeira vez em nosso Código Criminal de 1830, servindo de
base assim para todas as seguintes leis penais, tanto do Brasil, quanto de
vários outros países latino americanos.
O ato de se defender do ser
humano, ao perceber perigo para si ou seus bens, é natural, instintivo, é algo
que não depende de regras para que ocorra. Assim se fez necessário à sociedade
e ao legislador, criarem regras para determinar, dentro de padrões aceitáveis e
proporcionais os casos possíveis de legítima defesa.
Não podemos nos esquecer de
que se trata de um recurso que, por excluir a ilicitude do ato, desfigura o
crime. Sendo assim, para que não haja o uso abusivo dessa permissão constante
em nosso ordenamento, é necessária a extrema cautela do magistrado, que deverá
constatar todos os seus requisitos com o máximo de rigor para assim não causar
injustiça.
A todos é assegurado o direito
de defender-se quando estiver vulnerável, havendo a possibilidade de sofrer
agressão injusta, pela justificativa da legítima defesa, contudo, é necessário
observar que há limites que, se ultrapassados, poderão por seu excesso
configurar conduta típica. E é justamente este excesso que estudaremos, não com
a finalidade de exaurir, mas discutir o tema neste trabalho.
2.
LEGÍTIMA DEFESA
2.1
CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A
legítima defesa é a segunda excludente de ilicitude prevista no art. 23, inciso
II do Código Penal, e é regulada pelo art. 25 do mesmo código: “Entende-se por
legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”.
Dentre as teorias formuladas
por diferentes doutrinadores sobre a legítima defesa, encontraremos as
subjetivas e as objetivas. As teorias subjetivas, a tratam como causa a
exclusão de culpabilidade, fundamentando-se na perturbação de ânimo do agredido
ou nos motivos determinantes do agente. Enquanto as teorias objetivas
consideram a legítima defesa como causa excludente de ilicitude, estas
corretas, visto que se trata de uma justificação para ter-se praticado
determinado ato, impedindo a violação injusta de bem jurídico próprio ou
alheio.
É sabido que o Estado, e
somente o Estado, pode sancionar e castigar o agente de um delito. O Estado,
porém, reconhece que nem sempre pode estar presente em todos os lugares ao
tempo em que é cometida alguma injustiça, e assim permite a realização de atos
praticados em legítima defesa, afinal nem sempre é possível que um indivíduo,
ao se perceber em situação de risco por agressão a bem jurídico próprio ou
alheio, aguarde pela atuação e interferência de autoridade pública. Nesses
casos cotidianos de agressão injusta, atual ou iminente, portanto, é permitida
pelo Estado, atendendo os demais requisitos, a atuação instintiva do ser humano
de se defender, de se utilizar da justificativa da legítima defesa.
Para limitar, proporcional e
moderadamente a utilização dessa excludente à antijuridicidade, devem ser
atendidos requisitos, onde na falta de qualquer um deles, não haverá
justificativa para a realização do ato de defesa. São estes requisitos: a)
agressão injusta, atual ou iminente; b) direito próprio ou alheio; c) uso
moderado dos meios necessários; d) elemento subjetivo: conhecimento da agressão
e necessidade de defesa.
2.2
REQUISITOS
2.2.1
AGRESSÃO INJUSTA, ATUAL OU IMINENTE
Agressão é uma ação humana que
lesa ou põe em perigo bem juridicamente tutelado ou um próprio direito. Sua
presença é o que primeiro teremos de identificar na verificação da legítima
defesa. É importante saber que nem sempre em uma agressão há o uso de violência
(no furto, por exemplo), e que para se considerar uma provocação como agressão,
deve-se considerar a intensidade da mesma.
A agressão somente poderá ser
considerada em condutas humanas, no entanto é admitida quando se resultar de
uma multidão. Na primeira situação, caso se observasse ação não humana, como
para se defender de ataque de um animal, por exemplo, se trataria então de
estado de necessidade, já na segunda situação a legítima defesa se consideraria
contra a multidão, mesmo que somente alguns, dentre todos os indivíduos,
desejassem a agressão.
Inicialmente, deve-se
verificar uma agressão injusta, caso contrário não se admitiria a excludente de
ilicitude. Uma agressão injusta é aquela proibida por lei, que não é admitida
pelo Direito. Confirmada a injustiça, passa-se a verificação da atualidade ou
iminência da agressão.
Atual é a agressão que está se
iniciando, ou que já se encontra no curso de sua realização, mas que ainda não
fora concluída. Já a iminente, se trata daquela que está prestes a acontecer,
em que se verifique perigo concreto e que não se poderá aguardar para reagir a
tal.
A reação do agredido nunca
poderá acontecer após a imediata conclusão da agressão, visto que caso isso
ocorra, não se tratará mais de legítima defesa, mas sim nada mais se
justificaria a não ser um ato praticado por vingança.
2.2.2
DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO
Todo direito é amparado pelo
instituto da legítima defesa. Esse direito ou bem jurídico pode ser tanto
próprioquanto alheio, de terceiros. Até mesmos os interesses que se consideram
coletivos podem ser defendidos, como impedir a exposição de atos obscenos
praticados por um indivíduo em lugares públicos, por exemplo.
É claro que, em caso de defesa
de bens ou interesses jurídicos alheios, deve se fazer com a concordância de
seus titulares.
2.2.3
USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS
Faz-se necessário, durante a
proteção de direito próprio ou alheio, verificar se houve a utilização moderada
dos meios necessários para a execução da defesa.
Os meios necessários são
aqueles suficientes para, causando o menor dano possível indispensável para
conter a agressão, executar com eficácia a defesa. É claro que são considerados
meios necessários, aqueles dentre todos os outros meios presentes no momento,
suficientes para a proporcionalidade entre agressão e defesa. Por exemplo: em
um bar, para se defender de um soco que lhe seria dado por um bêbado
aparentemente sem forças, o indivíduo lhe aplica apenas um empurrão, quando
tinha por opção facas, garrafas de vidro, cadeiras, etc.
Após a escolha do meio
necessário para se defender da agressão, deve-se agir com moderação quanto ao
uso do mesmo, para realmente conter o dano que lhe seria causado sem extrapolar
os limites, o que poderia resultar em excesso.
2.2.4
ELEMENTO SUBJETIVO: CONHECIMENTO DA AGRESSÃO E NECESSIDADE DE DEFESA
Passados os requisitos
objetivos da legítima defesa, nos deparamos agora com seu requisito subjetivo.
É extremamente necessário que
o sujeito que se defende tenha conhecimento da agressão que está sofrendo ou
que sofrerá, e que assim, tenha a vontade de se defender. Assim como a função
da legítima defesa é de defender injusta agressão, deve o defensor conhecer a
agressão que é ou será praticada contra ele, pois se por acaso, o mesmo supor
erroneamente uma agressão e se “defender” dela, não estará tutelado pelo
instituto da legítima defesa. Não existirá legítima defesa, portanto, quando o
sujeito atirar em um ladrão prestes a invadir seu comércio, pensando se tratar
de um agiota que lhe cobraria antigas dívidas, por exemplo.
3.
EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA
3.1
CONCEITO
Isso
significa que “excesso” não é o mesmo que a falta de qualquer dos requisitos
das eximentes do art. 23. Consequentemente, “excesso” significa “passar dos
limites” de uma dessas causas eximentes, mas, para “passar dos limites”, será
sempre necessário se ter estado, em algum momento, dentro deles. (ZAFFARONI,
2004, p. 566)
É possível que, ao se
defender, o sujeito extrapole os limites requisitados para a legítima defesa.
Isso pode acontecer quando se emprega o uso de meio desnecessário durante a
conduta, ou seja, o indivíduo tinha a disposição outros meios menos lesivos e
que conteriam a agressão da mesma forma, mas prefere utilizar o mais lesivo, excedendo-se
em sua conduta. Poderá também o agredido, durante a defesa, se utilizar de meio
necessário inadequadamente, passando dos limites ao repulsar a agressão, onde
essa falta de moderação é que causaria o excesso.
A seguir discutiremos sobre
algumas formas e tipos de excesso na legítima defesa, onde o mesmo poderá
acontecer dolosa ou culposamente, além daquele onde o sujeito poderá inclusive
ser absolvido. Vale lembrar que, é admitida a legítima defesa sucessiva quando,
o agressor inicial, realizar uma conduta para se defender de excesso empregado
na defesa do primeiro agredido.
3.2
TIPOS DE EXCESSO
3.2.1
EXCESSOS INTENSIVO E EXTENSIVO
Estaremos diante de uma
situação de excesso intensivo quando o agente em sua conduta defensiva
ultrapassa os limites da necessariedade do meio ou da moderação em sua
utilização. É o excesso clássico, quando inicialmente há uma justificativa para
tal ato, no entanto é extrapolada durante sua realização.
Quanto ao excesso extensivo,
há discussões doutrinárias em relação à nomenclatura neste caso, visto que se
dá este nome a situações onde o agente ultrapassada o limite temporal para agir
com sua defesa legitimamente, ou quando lhe falta por completo a proporcionalidade
entre ação e reação, não sendo possível assim a tutela da legítima defesa para
ele. No primeiro caso, agindo após a agressão, seria descartada a defesa, e
admitida, por exemplo, a vingança. Já no segundo caso, podemos citar o clássico
exemplo do proprietário que atira contra uma criança que roubara maçãs em seu
pomar.
3.2.2
EXCESSO DOLOSO
Ocorre o excesso doloso quando
o agente, consciente dos limites da situação, prefere voluntariamente agir
ultrapassando tais limites, excedendo-se em sua ação. Por exemplo, após ter-se
defendido com um chute, e isto bastado, o agente ainda opta por dar facadas no
primeiro agressor, causando-o assim lesão corporal grave. Responderá este
agente, portanto, pelo excesso (lesão corporal grave) enquanto sua primeira
ação (chute) estará tutelada pela excludente.
Nesse tipo o agente quer
exceder-se e, talvez por isso, é comum o pensamento que consiste em afirmar que
o excesso doloso é excludente de legítima defesa, o que não é correto. Podemos
observar isso mais facilmente, quando o excesso é menos grave que a própria
legítima defesa, por exemplo: o agente, dentro de todos os requisitos da
legítima defesa, atira na perna do agressor contendo-o, no entanto prossegue
desferindo um soco no mesmo, já imóvel. Neste caso o agente responderá apenas
pelo excesso, o soco que resultou em lesão corporal leve, enquanto o tiro na
perna estaria excluído pela legítima defesa.
3.2.3
EXCESSO CULPOSO
O excesso culposo advém de um
resultado extremado não querido pelo agente, resultante de um erro de cálculo,
de uma errada avaliação do agente no momento em que sofreu ou sofreria a
agressão.
Neste caso, se faz necessário
saber se o agente errou quanto à gravidade da ação defensiva em relação à
agressora ou se o excesso se deu quanto ao modo que o mesmo utilizou para a
repulsa. No primeiro caso, o agente pensa que o agressor, ao se aproximar
armado, iria matá-lo, quando na verdade pretendia lhe roubar o relógio. Já no
segundo caso, por exemplo, um professor de judô, ao ser assaltado, aplica um
golpe da luta no assaltante, que ao cair no chão acaba quebrando o braço,
resultado este não querido pelo agente, que buscava apenas a imobilização do
agressor.
O excesso culposo é voluntário
quando o agente quer o excesso, no entanto acredita estar dentro dos limites
exigidos para a repulsa lícita da agressão, quando na verdade, acabou os
extrapolando sem saber. E é involuntário quando o resultado causado pela
repulsa não era o esperado, nem o querido pelo agente, mas devido à sua reação
os efeitos causados foram diversos à sua vontade.
Observando-se como culposa a
reação do agente, o mesmo responderá pelo excesso a título de culpa de
determinado delito praticado por ele, verificando-se assim a imperícia,
negligência ou imprudência na prática do ato resultante na extrapolação dos
limites da legítima defesa.
3.2.4
EXCESSO EXCULPANTE
O excesso exculpante na
legítima defesa é uma modalidade supralegal, ou seja, que não esta prevista
expressamente em nosso ordenamento jurídico. Se trata da reação do agente por
medo, perturbação de ânimo, surpresa, enfim, situações que justifiquem a
diversidade dessa defesa.
Por exemplo, o agente
apavorado pela situação de violência e ameaça que se encontra, ao defender-se
com sua arma, dispara bem mais tiros que o suficiente para conter a agressão,
além de mais do que ele próprio dispararia se não estivesse tomado pelo medo.
Ou seja, mesmo se tratando de conduta imprópria, é justificada pela situação em
que se encontrava e por isso pode ser causa considerada como excludente de
culpabilidade, portanto, absolvido estaria o agente tanto pelo excesso (pela
exclusão da culpabilidade) quanto pela ação em legítima defesa (pela exclusão
da ilicitude).
4.
CONCLUSÃO
Para que exista
uma conduta considerada como criminosa, se fazem necessários os três requisitos
do crime, são eles o fato típico, a ilicitude ou antijuridicidade e a
culpabilidade, sem qualquer um desses requisitos não há crime.
Há causas que excluem um
desses requisitos, especialmente por se tratar do tema deste trabalho, temos a
legítima defesa, que dentre outras, é excludente da ilicitude. Se cumpridos
todos os requisitos, a reação de um indivíduo sobre injusta agressão poderá ser
tutelada por essa excludente, não configurando a mesma como crime.
Por se tratar de tutela tão
radical quanto a configuração de um crime, a lei veio para ampará-la e
aplicar-lhe requisitos que deverão ser observados de forma rigorosa para que
esta modalidade de auto defesa seja permitida em casos específicos, visto que o
Estado não pode estar presente em todas as ocasiões para resguardar os direitos
e bens jurídicos de todos.
Além da própria legítima
defesa, seus requisitos e espécies, a lei prevê também o seu excesso, que
poderá ser considerado doloso ou culposo, punível da forma como a lei dispõe os
crimes dolosos e culposos. Mas também temos a modalidade de excesso que não
será sancionada, o excesso exculpante, que sendo verificado excluirá a
culpabilidade, portanto não havendo crime.
O excesso só será
caracterizado durante ou iminente à agressão, já que se verificado somente
depois dela, passará a ser considerado como vingança. Confirmando sua
existência, o agente somente responderá pelo excesso, enquanto a reação de que
se utilizou para repelir a agressão continuará tutelada pelo instituto
excludente da antijuridicidade.
Conclui-se que todos os casos
abordados neste trabalho requerem avaliações minuciosas, caso a caso, pois não
se pode permitir que verdadeiros criminosos se utilizem dessa ferramenta
injustamente, para se livrarem das penas que lhe seriam impostas de maneira
correta. Afinal, como já afirmado pelo Des. Marco Aurélio de Oliveira do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “A lei penal não pode exigir que, sob
a máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos
animais de sangue frio.”.
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