sábado, 11 de maio de 2013

COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO X CRENÇA RELIGIOSA



Higor Henrique Simões Cerqueira Pinto


INTRODUÇÃO

O trabalho a ser apresentado tem por objetivo buscar o entendimento de conflitos de direitos fundamentais, na qual trazem litígios a serem formados por valores fundamentais a qual a CF\88 resguarda no artigo 5º, inc. VI, sobre a liberdade de crença, para ser mais especifico a transfusão de sangue nas pessoas da religião Testemunha de Jeová, trazendo a seguinte questão, os médicos ao realizarem uma transfusão de sangue estão infringindo alguma lei? Ou mesmo o direito fundamental da pessoa em si? Se o médico pedir autorização da família e a família não concordar ele pode realizar a transfusão mesmo em iminente risco de morte?
Para entendermos mais sobre esse assunto iremos nos aprofundar na história dessa religião, em suas crenças, suas bases religiosas e principalmente no que diz a Bíblia acerca desse assunto.
Será que pacientes podem recusar essa transfusão alegando que é um direito dela ter sua vontade respeitada?
Nesse trabalho não irei discutir doutrinas religiosas e sim a ordem jurídica acerca desse assunto, pois do mesmo modo que a CONSTITUIÇÃO FEDERAL assegura o direito a liberdade, ela tem um parâmetro muito maior que é a própria vida, ou seja, o maior bem jurídico que é irrenunciável e inalienável.

1 Questões Religiosas

Por volta de 1870 século XIX iniciou-se o religião denominada Estudantes da Bíblia, seu fundador originário era Charles Taze Russell, ele iniciou as atividades junto a alguns amigos, os mesmos deram origem a um pequeno grupo de estudos bíblicos , eles começaram suas atividades Allegheny, Pensilvânia, EUA.
Ouve-se então uma certa discussão acerca da titularidade da denominação, foi então que em 1931 ouve uma assembleia para decidir essa titularidade, os presentes da assembleia adotaram uma resolução intitulada como “Um Novo Mundo”, a mesma foi apresentada por Joseph Rutherford, foi então proposto o nome de “Testemunhas de Jeová”.
O nome adotado foi baseado na bíblia específica da religião, Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, e foi retirado do seguinte versículo bíblico:
Isaias 43:10
"Vós sois as minhas testemunhas", é a pronunciação de Jeová, "sim, meu servo a quem escolhi, para que saibais e tenhais fé em mim, e para que entendais que eu sou o Mesmo. Antes de mim não foi formado nenhum Deus e depois de mim continuou a não haver nenhum."
As Testemunhas de Jeová proibiram a ingestão do sangue, como por exemplo: carnes cruas, chouriço, etc. Pelo simples fato de que ao ingerir você estaria se alimentando da vida de outro ser.
A transfusão de sangue foi vedada a partir do terceiro presidente das Testemunhas de Jeová, sua declaração foi: “A transfusão de sangue humano constitui violação do concerto de Jeová, ainda que esteja em jogo a vida do paciente”.
Knorr baseia sua declaração em alguns trechos da bíblia, exemplos:
Levítico:
(7:27)
“Toda alma que comer sangue, esta alma terá de ser decepada do seu povo”.
(17:11)
“Pois a alma da carne está no sangue, e eu mesmo o pus para vós sobre o altar para fazer expiação pelas vossas almas, porque é o sangue que faz expiação pela alma”.
(Expiação: reparação ou sofrimento pelo qual se expia uma culpa; castigo).
Atos:
(15:20)
“Mas escrever-lhes que se abstenham das coisas poluídas por ídolos, e da fornicação, e estrangulamento, e do sangue”.
Considerando a época em que a bíblia foi escrita, não havia transfusão de sangue, só poderia haver somente a ingestão, porem a primeira transfusão de sangue ocorreu por volta do século XV.
Mas da mesma maneira em que a bíblia que se trata nosso estudo resguarda essa transfusão ela também possui em outros capítulos trechos em que se auto colocam em contradição. Afinal, quando Jesus Cristo verteu seu sangue na cruz pela humanidade ele de certa forma nos fez livre?
Podemos ver em João:
(3:17)
“Mas, todo aquele que tiver meios deste mundo para sustentar a vida e observar que o seu irmão padece necessidade, e ainda assim lhe fechar a porta das suas ternas compaixões, de que modo permanece nele o amor de Deus?”.
(15:12)
“Este é o meu mandamento, que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”.
(15:13)
“Ninguém tem mais amor do que este, que alguém que entregue a sua alma a favor do seu amigo”.
Da mesma maneira que eles proíbem com fundamentos bíblicos eles entram em contradição pela mesma bíblia, ou seja, a mesma tradução.

2 Questões Jurídicas

Podemos observar que é bem polemico esse procedimento, pois as Testemunhas de Jeová procedem de uma maneira diferente da qual os médicos se portam em face desse assunto, de qual maneira eles podem proceder sem ferir esses princípios religiosos? Isto instiga grande polemica diante da mídia e de juristas.
Os médicos ficam de certa forma de mãos atadas, pois eles seguem seu código de ética que diz, que eles devem tentar salvar a vida do paciente de todas as maneiras possíveis, ou seja, preservar a “vida”.
Os juristas ficam instigados a escrever sobre tal tema que por sua  vez é totalmente relevante para o direito, pois o direito a crença é constitucional assim como o direito a vida.
Por todo o exposto já apresentado indaga-se, é aceitável que o ordenamento jurídico concorde com tal procedimento a qual é constitucional mas de certa forma inconstitucional, pois fere diretamente os “Princípios Gerais do Direito”?
Nesse caso a recusa da transfusão de sangue pode ser vedada ou suspensa por convicções religiosas?
Pode-se dizer que se o paciente estiver em iminente risco de morte e o mesmo impossibilitado de expressar sua vontade pode o médico realizar a transfusão mesmo se a família ou responsável legal não conceder autorização? Nesse caso o médico estará infringindo alguma norma?

2.1 Direito à vida e a Dignidade da Pessoa Humana

A vida surge quando o nascituro vem ao mundo com vida, mas desde que concebido no ventre materno já possui diretos resguardados pela Lei no Código Civil artigo 2º.
Porém esse direito pode ser violado em certos casos como prevê nosso Código Penal em seu artigo 128 a qual trata do aborto, que por sua vez pode e deve ser realizado por um médico, o aborto pode ser realizado mediante o crime de estupro, nesse caso o direito à pode ser desamparado, ou seja a liberdade sexual prevalece sobre o bem jurídico mais importante à vida, lembrando que o médico  não pode realizar transfusão de sangue sem autorização ou do paciente ou de algum representante, mas no caso de aborto em razão de estupro assim é permitido.

2.2 Direito de Recusa por Convicções Religiosas

A liberdade da pessoa humana está ligada intimamente à legalidade, tornando os direitos bem amplos mas ao mesmo tempo podem ser exercidos todos os atos da vida civil, salvo os que são expressamente proibidos por lei.
O direito a liberdade é relacionado com a lei, pois a lei põe o direito a liberdade como fundamento constitucional, de certa forma que se alguém violá-lo  estará violando não só a liberdade da pessoa mas também uma norma constitucional, ou seja, as pessoas tem o direito de recusar o tratamento que quiserem com base na sua crença religiosa, amparada pela Constituição Federal artigo 5º, inciso VI, nesse caso é inviolável esse direito.
Desse modo a liberdade de crença e consciência são amparadas fortemente pela Constituição individualizando à autonomia de atos que por sua vez são determinantes as praticas, como por exemplo a recusa em procedimentos médicos.
Assim podemos definir que a recusa pode dar-se pelos seguintes fatores, foro íntimo, bem como convicções pessoais, e assim será garantida, cabendo ao órgão público manter a ordem, da maneira que não se possa contrariar ou ofender valores morais e pessoais considerando assim cada caso concreto.

2.3 Direito à Vida versus Direito de Recusa por Convicções Religiosas

É muito fácil colocarmos pontos sobre os quais estamos tratando, o direto a liberdade de crença entra em confronto direto com à vida, pois os dois são direitos fundamentais, assim havendo contradições na questão da recusa de transfusão  de sangue por certas convicções de ordem religiosa.
Mas por outro lado essa liberdade tem certos limites, como poderá o paciente recusar o tratamento médico necessário se por motivo fortuitos não puder expressar sua vontade diretamente, veja exemplo:
Ele não poderá expressar-se senão estiver em pleno gozo mental;
Se não tiver capacidade para decidir sobre intervenções médicas, tornando-o incapaz ou relativamente ou absolutamente como trata o nosso Código Civil em seus artigos 3º e 4º.
O paciente tem o direito sobre seu próprio corpo, e possui garantia e autonomia individual, de não se submeter a tratamento forçado mesmo em iminente risco de morte, mas por outro lado o nosso Código Penal tem a feliz manifestação de preferência pela vida, artigo 146, § 3º, inciso I, “Sendo assim, o médico poderá e deverá intervir, sem que sua conduta configure o delito de constrangimento ilegal.
O perigo iminente de vida é pré-decorrente da necessidade humana em caso fortuito ou em razão natural em face de enfermidade exemplo: câncer, hemorragia, e por casos de acidentes nos quais seriam necessário uma transfusão de sangue para a preservação da vida. Desta maneira é imprescindível que venha se tratar de ordens e ou questões religiosas quando a vida é o bem jurídico à ser preservado com maior critério.
Porém para as Testemunhas de Jeová não existe nenhuma ponderação moral, tratando-se mesmo de sua própria vida em risco eles preferem a morte ao invés de uma transfusão de sangue. Neste caso é permitido que o médico realize essa transfusão, pois ele vai estar amparado pelo artigo 146, § 3º, inc. I do Código Penal, mesmo se o responsável assim não o permitir.
Para fundamentar melhor apresentarei um certo relato de um obstetra, relatado por Miguel Kfouri Neto, assim relata o médico que:
“(...) para salvar a vida de uma paciente, que se recusava terminantemente, por motivos religiosos, a consentir em transfusão, após difícil parto, pratiquei tal ato, contra a vontade da parturiente e de seu marido. A mulher, após obter alta, não foi aceita em seu lar, pelo cônjuge, nem pôde mais frequentar a igreja, sendo repudiada por todos (...)”
(Leiria, C. S. Transfusão de sangue contra vontade do paciente, artigos on-line, 26 maio 2011)
Quando se necessário levar a juízo algum desses fatores teremos que levar em consideração não somente o direito a liberdade mas o direito a vida e o da dignidade da pessoa humana, para que haja ponderação de ambos os lados em razão do bem comum ou seja, a vida.
Porém quando uma Testemunha de Jeová recebe transfusão a mesma é totalmente rejeitada por todos os que dizem professar a mesma fé, veremos o depoimento Kali que se diz revoltado com tamanha desumanização:
“(...) em se tratando da questão do sangue, as Testemunhas de Jeová reconhecem os “direitos humanos”, o direito que a pessoa tem de decidir o que é ou não melhor para ela, chega até comentar que em pleno século XXI as pessoas têm de entendê-las... mas qual é a reação das testemunhas perante aqueles TJS que DECIDIRAM SE TRATAR COM O SANGUE?
Pois bem, e pleno “século XXI” estas testemunhas são expulsas da sua “religião” e são tratadas como leprosos pelos seus antigos irmãos, estes, que optaram pelas transfusões, NÃO TEM O DIREITO DE PERMANECER NA SUA RELIGIÃO. São tratados como bichos por membros da sua própria família. Belo “direitos humanos” não é mesmo? Isso tudo em pleno século XXI! (...)”
(Kali. Diário da manhã- on-line,14 dezembro 2008)

Como podemos ver nessa opinião o tema é bem abrangente e bem polêmico, pois mesmo se tratando de uma pessoa não adepta à religião, deste modo podemos dizer que quem possui a verdadeira liberdade é quem não se coloca sob julgo de suicídio como vimos em tópicos passados.

3 Questões Médicas

A transfusão de sangue é indicado aos pacientes em casos que não se possui outra alternativa, deste modo sendo o único jeito de preservar a vida da pessoa. Porém a Constituição Federal em seu artigo 5º, inc. VI, respeita o direito a crença, portanto o médico poderá adotar outros meios alternativos para salvar a vida do paciente.
Afarese:
O receptor recebe um tipo de sangue ou dele o que é derivado como hemácias e plaquetas.
Transfusão Autóloga:
O doador além de doador também é receptor, podendo assim ser retirado seu próprio sangue armazenado e dele separado o que é necessário para que retorne-o para si mesmo.
Mas para esse procedimento o médico deverá pedir autorização para o paciente e ou para seus familiares bem como sobre qual será o procedimento adotado.
Com tanta polêmica já gerada em razão da transfusão de sangue, as testemunhas criaram um sistema de rede mundial, onde é orientado as equipes médicas à procederem de maneiras alternativas em vez de realizarem a hemotransfusão.
Em casos quando o próprio médico for uma Testemunha de Jeová ele terá seus próprios argumentos baseados em suas histórias como podemos ver a seguir:
“(...) Visto que o irmão medico é quem determina o que será administrado ao paciente, ele não prescreveria ou ordenaria a transfusão de sangue, pois a bíblia é bem explícita quanto ao assunto. (Gênesis 9:3, 4; Atos 15:28, 29)...Talvez surjam situações em que outros esperam que o médico prescreva a transfusão de sangue. Como é que o irmão médico atuaria em tais situações? Na maioria dos casos é possível transferir o paciente para cuidados de outro médico...Prevendo a possibilidade de ocorrer situações de emergência e a transfusão for indispensável, alguns ajustam a sua rotina de trabalho para evitar ao máximo situações como essa(...)”
(“É guiado pela Sensível Consciência Cristã?”, A Sentinela, 1º out. 1975, p.598ª 604)

Por todo o exposto apresentado venho finalizar esse artigo com a seguinte questão, deve-se levar em consideração o bem jurídico mais importante que é a vida bem como a dignidade da pessoa humana, afim de se respeitar tanto do lado religioso como jurídico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Testemunhas de Jeová. Enciclopédia livre. 10 maio 2011. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Testemunhas_de_Jeov%C3%A1>. Acesso em: 14 abril 2013.
Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas com referências. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Nova Iorque. 1º jan. 1984
Carta Orientadora. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Nº 29;2 out. 1995.
Lei - Código Civil e Código Penal Brasileiro
O caso das Testemunhas de Jeová e a transfusão de sangue. Revista Jus Navigandi. Fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6641/o-caso-das-testemunhas-de-jeova-e-a-transfusao-de-sangue>. Acesso em: 21 abril 2013.
BORGES, Camila et al. O Marco Zero do Cruso de Direito: Colisão de Direitos Fundamentais: Direito X Crença Religiosa. Barretos, 2011. Fauldade Barretos. Alunos do 1 ano de Direito 2011.