Higor Henrique Simões Cerqueira Pinto
INTRODUÇÃO
O
trabalho a ser apresentado tem por objetivo buscar o entendimento de conflitos
de direitos fundamentais, na qual trazem litígios a serem formados por valores
fundamentais a qual a CF\88 resguarda no artigo 5º, inc. VI, sobre a liberdade
de crença, para ser mais especifico a transfusão
de sangue nas pessoas da religião Testemunha
de Jeová, trazendo a seguinte questão, os médicos ao realizarem uma
transfusão de sangue estão infringindo alguma lei? Ou mesmo o direito
fundamental da pessoa em si? Se o médico pedir autorização da família e a
família não concordar ele pode realizar a transfusão mesmo em iminente risco de
morte?
Para
entendermos mais sobre esse assunto iremos nos aprofundar na história dessa
religião, em suas crenças, suas bases religiosas e principalmente no que diz a
Bíblia acerca desse assunto.
Será
que pacientes podem recusar essa transfusão alegando que é um direito dela ter
sua vontade respeitada?
Nesse
trabalho não irei discutir doutrinas religiosas e sim a ordem jurídica acerca
desse assunto, pois do mesmo modo que a CONSTITUIÇÃO FEDERAL assegura o direito
a liberdade, ela tem um parâmetro muito maior que é a própria vida, ou seja, o
maior bem jurídico que é irrenunciável
e inalienável.
1
Questões Religiosas
Por volta de 1870 século XIX iniciou-se o religião
denominada Estudantes da Bíblia, seu fundador originário era Charles Taze Russell, ele iniciou as
atividades junto a alguns amigos, os mesmos deram origem a um pequeno grupo de
estudos bíblicos , eles começaram suas atividades Allegheny, Pensilvânia, EUA.
Ouve-se então uma certa discussão acerca da
titularidade da denominação, foi então que em 1931 ouve uma assembleia para
decidir essa titularidade, os presentes da assembleia adotaram uma resolução
intitulada como “Um Novo Mundo”, a mesma foi apresentada por Joseph Rutherford, foi então proposto o
nome de “Testemunhas de Jeová”.
O nome adotado foi baseado na bíblia específica da
religião, Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, e foi retirado do
seguinte versículo bíblico:
Isaias
43:10
"Vós
sois as minhas testemunhas", é a pronunciação de Jeová, "sim, meu
servo a quem escolhi, para que saibais e tenhais fé em mim, e para que
entendais que eu sou o Mesmo. Antes de mim não foi formado nenhum Deus e depois
de mim continuou a não haver nenhum."
As Testemunhas de Jeová proibiram a ingestão do
sangue, como por exemplo: carnes cruas, chouriço, etc. Pelo simples fato de que
ao ingerir você estaria se alimentando da vida de outro ser.
A transfusão de sangue foi vedada a partir do
terceiro presidente das Testemunhas de Jeová, sua declaração foi: “A transfusão
de sangue humano constitui violação do concerto de Jeová, ainda que esteja em
jogo a vida do paciente”.
Knorr baseia sua declaração em alguns trechos da
bíblia, exemplos:
Levítico:
(7:27)
“Toda alma que comer sangue, esta alma terá de ser
decepada do seu povo”.
(17:11)
“Pois a alma da carne está no sangue, e eu mesmo o
pus para vós sobre o altar para fazer expiação pelas vossas almas, porque é o
sangue que faz expiação pela alma”.
(Expiação: reparação ou sofrimento
pelo qual se expia uma culpa; castigo).
Atos:
(15:20)
“Mas
escrever-lhes que se abstenham das coisas poluídas por ídolos, e da fornicação,
e estrangulamento, e do sangue”.
Considerando a época em que a bíblia foi escrita,
não havia transfusão de sangue, só poderia haver somente a ingestão, porem a
primeira transfusão de sangue ocorreu por volta do século XV.
Mas da mesma maneira em que a bíblia que se trata
nosso estudo resguarda essa transfusão ela também possui em outros capítulos
trechos em que se auto colocam em contradição. Afinal, quando Jesus Cristo verteu
seu sangue na cruz pela humanidade ele de certa forma nos fez livre?
Podemos ver em João:
(3:17)
“Mas, todo aquele que tiver meios deste mundo para
sustentar a vida e observar que o seu irmão padece necessidade, e ainda assim
lhe fechar a porta das suas ternas compaixões, de que modo permanece nele o
amor de Deus?”.
(15:12)
“Este é o meu mandamento, que vos ameis uns aos
outros, assim como eu vos amei”.
(15:13)
“Ninguém tem mais amor do que este, que alguém que
entregue a sua alma a favor do seu amigo”.
Da mesma maneira que eles proíbem com fundamentos bíblicos eles entram em
contradição pela mesma bíblia, ou seja, a mesma tradução.
2
Questões Jurídicas
Podemos observar que é bem polemico esse
procedimento, pois as Testemunhas de Jeová procedem de uma maneira diferente da
qual os médicos se portam em face desse assunto, de qual maneira eles podem
proceder sem ferir esses princípios religiosos? Isto instiga grande polemica
diante da mídia e de juristas.
Os médicos ficam de certa forma de mãos atadas, pois
eles seguem seu código de ética que diz, que eles devem tentar salvar a vida do
paciente de todas as maneiras possíveis, ou seja, preservar a “vida”.
Os juristas ficam instigados a escrever sobre tal
tema que por sua vez é totalmente
relevante para o direito, pois o direito a crença é constitucional assim como o
direito a vida.
Por todo o exposto já apresentado indaga-se, é
aceitável que o ordenamento jurídico concorde com tal procedimento a qual é
constitucional mas de certa forma inconstitucional, pois fere diretamente os
“Princípios Gerais do Direito”?
Nesse caso a recusa da transfusão de sangue pode ser
vedada ou suspensa por convicções religiosas?
Pode-se dizer que se o paciente estiver em iminente
risco de morte e o mesmo impossibilitado de expressar sua vontade pode o médico
realizar a transfusão mesmo se a família ou responsável legal não conceder
autorização? Nesse caso o médico estará infringindo alguma norma?
2.1
Direito à vida e a Dignidade da Pessoa Humana
A vida surge quando o nascituro vem ao mundo com
vida, mas desde que concebido no ventre materno já possui diretos resguardados
pela Lei no Código Civil artigo 2º.
Porém esse direito pode ser violado em certos casos
como prevê nosso Código Penal em seu artigo 128 a qual trata do aborto, que por
sua vez pode e deve ser realizado por um médico, o aborto pode ser realizado
mediante o crime de estupro, nesse caso o direito à pode ser desamparado, ou
seja a liberdade sexual prevalece sobre o bem jurídico mais importante à vida,
lembrando que o médico não pode realizar
transfusão de sangue sem autorização ou do paciente ou de algum representante,
mas no caso de aborto em razão de estupro assim é permitido.
2.2
Direito de Recusa por Convicções Religiosas
A liberdade da pessoa humana está ligada intimamente
à legalidade, tornando os direitos bem amplos mas ao mesmo tempo podem ser
exercidos todos os atos da vida civil, salvo os que são expressamente proibidos
por lei.
O direito a liberdade é relacionado com a lei, pois
a lei põe o direito a liberdade como fundamento constitucional, de certa forma
que se alguém violá-lo estará violando
não só a liberdade da pessoa mas também uma norma constitucional, ou seja, as
pessoas tem o direito de recusar o tratamento que quiserem com base na sua
crença religiosa, amparada pela Constituição Federal artigo 5º, inciso VI,
nesse caso é inviolável esse direito.
Desse modo a liberdade de crença e consciência são
amparadas fortemente pela Constituição individualizando à autonomia de atos que
por sua vez são determinantes as praticas, como por exemplo a recusa em
procedimentos médicos.
Assim podemos definir que a recusa pode dar-se pelos
seguintes fatores, foro íntimo, bem como convicções pessoais, e assim será
garantida, cabendo ao órgão público manter a ordem, da maneira que não se possa
contrariar ou ofender valores morais e pessoais considerando assim cada caso
concreto.
2.3
Direito à Vida versus Direito de
Recusa por Convicções Religiosas
É muito fácil colocarmos pontos sobre os quais
estamos tratando, o direto a liberdade de crença entra em confronto direto com
à vida, pois os dois são direitos fundamentais, assim havendo contradições na
questão da recusa de transfusão de
sangue por certas convicções de ordem religiosa.
Mas por outro lado essa liberdade tem certos
limites, como poderá o paciente recusar o tratamento médico necessário se por
motivo fortuitos não puder expressar sua vontade diretamente, veja exemplo:
Ele não poderá expressar-se senão estiver em pleno
gozo mental;
Se não tiver capacidade para decidir sobre
intervenções médicas, tornando-o incapaz ou relativamente ou absolutamente como
trata o nosso Código Civil em seus artigos 3º e 4º.
O paciente tem o direito sobre seu próprio corpo, e
possui garantia e autonomia individual, de não se submeter a tratamento forçado
mesmo em iminente risco de morte, mas por outro lado o nosso Código Penal tem a
feliz manifestação de preferência pela vida, artigo 146, § 3º, inciso I, “Sendo
assim, o médico poderá e deverá intervir, sem que sua conduta configure o
delito de constrangimento ilegal.
O perigo iminente de vida é pré-decorrente da
necessidade humana em caso fortuito ou em razão natural em face de enfermidade
exemplo: câncer, hemorragia, e por casos de acidentes nos quais seriam
necessário uma transfusão de sangue para a preservação da vida. Desta maneira é
imprescindível que venha se tratar de ordens e ou questões religiosas quando a
vida é o bem jurídico à ser preservado com maior critério.
Porém para as Testemunhas de Jeová não existe
nenhuma ponderação moral, tratando-se mesmo de sua própria vida em risco eles
preferem a morte ao invés de uma transfusão de sangue. Neste caso é permitido
que o médico realize essa transfusão, pois ele vai estar amparado pelo artigo
146, § 3º, inc. I do Código Penal, mesmo se o responsável assim não o permitir.
Para fundamentar melhor apresentarei um certo relato
de um obstetra, relatado por Miguel Kfouri Neto, assim relata o médico que:
“(...) para salvar a vida de uma paciente, que se
recusava terminantemente, por motivos religiosos, a consentir em transfusão,
após difícil parto, pratiquei tal ato, contra a vontade da parturiente e de seu
marido. A mulher, após obter alta, não foi aceita em seu lar, pelo cônjuge, nem
pôde mais frequentar a igreja, sendo repudiada por todos (...)”
(Leiria, C. S. Transfusão de sangue contra vontade
do paciente, artigos on-line, 26 maio 2011)
Quando se necessário levar a juízo algum desses
fatores teremos que levar em consideração não somente o direito a liberdade mas
o direito a vida e o da dignidade da pessoa humana, para que haja ponderação de
ambos os lados em razão do bem comum ou seja, a vida.
Porém quando uma Testemunha de Jeová recebe
transfusão a mesma é totalmente rejeitada por todos os que dizem professar a
mesma fé, veremos o depoimento Kali que se diz revoltado com tamanha
desumanização:
“(...) em se tratando da questão do sangue, as
Testemunhas de Jeová reconhecem os “direitos humanos”, o direito que a pessoa
tem de decidir o que é ou não melhor para ela, chega até comentar que em pleno
século XXI as pessoas têm de entendê-las... mas qual é a reação das testemunhas
perante aqueles TJS que DECIDIRAM SE TRATAR COM O SANGUE?
Pois bem, e pleno “século XXI” estas testemunhas são
expulsas da sua “religião” e são tratadas como leprosos pelos seus antigos
irmãos, estes, que optaram pelas transfusões, NÃO TEM O DIREITO DE PERMANECER
NA SUA RELIGIÃO. São tratados como bichos por membros da sua própria família.
Belo “direitos humanos” não é mesmo? Isso tudo em pleno século XXI! (...)”
(Kali. Diário da manhã- on-line,14 dezembro 2008)
Como podemos ver nessa opinião o tema é bem
abrangente e bem polêmico, pois mesmo se tratando de uma pessoa não adepta à
religião, deste modo podemos dizer que quem possui a verdadeira liberdade é
quem não se coloca sob julgo de suicídio como vimos em tópicos passados.
3
Questões Médicas
A transfusão de sangue é indicado aos pacientes em
casos que não se possui outra alternativa, deste modo sendo o único jeito de
preservar a vida da pessoa. Porém a Constituição Federal em seu artigo 5º, inc.
VI, respeita o direito a crença, portanto o médico poderá adotar outros meios
alternativos para salvar a vida do paciente.
Afarese:
O receptor recebe um tipo de sangue ou dele o que é
derivado como hemácias e plaquetas.
Transfusão
Autóloga:
O doador além de doador também é receptor, podendo
assim ser retirado seu próprio sangue armazenado e dele separado o que é
necessário para que retorne-o para si mesmo.
Mas para esse procedimento o médico deverá pedir
autorização para o paciente e ou para seus familiares bem como sobre qual será
o procedimento adotado.
Com tanta polêmica já gerada em razão da transfusão
de sangue, as testemunhas criaram um sistema de rede mundial, onde é orientado
as equipes médicas à procederem de maneiras alternativas em vez de realizarem a
hemotransfusão.
Em casos quando o próprio médico for uma Testemunha
de Jeová ele terá seus próprios argumentos baseados em suas histórias como
podemos ver a seguir:
“(...) Visto que o irmão medico é quem determina o
que será administrado ao paciente, ele não prescreveria ou ordenaria a
transfusão de sangue, pois a bíblia é bem explícita quanto ao assunto. (Gênesis
9:3, 4; Atos 15:28, 29)...Talvez surjam situações em que outros esperam que o
médico prescreva a transfusão de sangue. Como é que o irmão médico atuaria em
tais situações? Na maioria dos casos é possível transferir o paciente para
cuidados de outro médico...Prevendo a possibilidade de ocorrer situações de
emergência e a transfusão for indispensável, alguns ajustam a sua rotina de
trabalho para evitar ao máximo situações como essa(...)”
(“É guiado pela Sensível Consciência Cristã?”, A
Sentinela, 1º out. 1975, p.598ª 604)
Por todo o exposto apresentado venho finalizar esse
artigo com a seguinte questão, deve-se levar em consideração o bem jurídico
mais importante que é a vida bem como a dignidade da pessoa humana, afim de se
respeitar tanto do lado religioso como jurídico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Testemunhas de Jeová. Enciclopédia livre. 10 maio 2011. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Testemunhas_de_Jeov%C3%A1>. Acesso em: 14 abril 2013.
Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas com referências. Sociedade
Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Nova Iorque. 1º jan. 1984
Carta Orientadora. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Nº
29;2 out. 1995.
O caso das Testemunhas de Jeová e a transfusão de sangue. Revista Jus
Navigandi. Fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6641/o-caso-das-testemunhas-de-jeova-e-a-transfusao-de-sangue>. Acesso em: 21 abril 2013.
BORGES, Camila et al. O Marco Zero do Cruso de Direito: Colisão de
Direitos Fundamentais: Direito X Crença Religiosa. Barretos, 2011. Fauldade
Barretos. Alunos do 1 ano de Direito 2011.