domingo, 12 de maio de 2013

Das Penas Restritivas de Direitos


Leonardo de Oliveira Ribeiro

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo central explicitar quais são e em quais casos específicos podem ser empregadas as penas restritivas de direitos, também chamadas “penas alternativas”, sendo neste entranhados conceitos doutrinários acerca do referido assunto.


Introdução


A toda contextualização contemporânea se faz necessário o uso do passado como ponto de partida para uma maior e mais abrangente explicitação e entendimento de determinado assunto. Sendo assim, parte-se do pressuposto de que penas eram entendidas, em tempos remotos, como: uma força maior, sendo às vezes o próprio “Estado”, que exerceria de seu poder de comando sobre o indivíduo que tivesse perturbado o bem comum, ou a paz social, sendo seus atos incontestáveis e legítimos sem restrições de qualquer natureza, e também mutáveis a qualquer tempo pelo governante, ou como na Mesopotâmia (Código de Hamurabi) em que o cidadão poderia exercer o direito de punir se seu próprio direito tivesse sido agredido.
As penas eram aplicadas sem a observação de qualquer pré-requisito, sendo estas muitas vezes desumanas, injustas e cruéis. Beccaria ressalta em sua magnífica obra Dos Delitos e das Penas:
“Quanto mais terríveis forem os castigos, tanto mais cheio de audácia será o culpado em evitá-los. Praticará novos crimes, para subtrair-se á pena que mereceu pelo primeiro.”
A implementação de uma ordem maior (Lei) que pudesse regrar os atos Estatais e disciplinar os comportamentos sociais foi surgindo ao longo do tempo, e permanece até aos dias de hoje, sendo entendidos como a melhor maneira de limitar tal poder no que diz respeito à arbitrariedade encontrada como algo maléfico nos tempos antigos, e também como maneira organizada e pré-estabelecida para disciplinar todas as relações sociais, sendo estas, comerciais, civis, trabalhistas, penais, entre outras.
A natureza punitiva continua sendo a mesma, um Estado com poder legítimo para punir, mas agora com restrições às suas ações, bem como aos meios de punição, sendo vedados todos os atos que não estejam em conformidade com uma “Lei” já anteriormente pré-estabelecida (segundo o Princípio da Legalidade, explícito no artigo 1º do Código Penal) para a disciplina e cominação penal de um ato tido por criminoso; “Art. 1º: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”. Na esplêndida obra de Montesquieu, O Espírito das Leis, ele ressalta:
“É, entre nós, um grande erro aplicar o mesmo castigo ao que assalta estradas e ao que rouba e assassina. É evidente, para a segurança pública, que se deveria estabelecer alguma diferença na pena”.
Vê-se nítido os olhares afincos da sociedade direcionados ainda a um pensamento mesopotâmico, de “olho por olho e dente por dente”, bem como se vê também diretrizes em massa acerca de pensamentos desumanos, como penas absurdas sem que haja contestação do apenado, e até mesmo pena de morte. Tais pensamentos, como já dito, atingem uma massa populacional exacerbadamente grande, que ainda tem intrínsecos em sua natureza a pena como algo que deva “excluir”, e não com a finalidade de ressocializar.
A pena, nos dias de hoje, tem como meio o caráter punitivo, mas sua finalidade é a ressocialização e a prevenção, ou seja, a reimplantação do indivíduo na sociedade que outrora “desrespeitou”, para garantir que o mesmo não volte a cometer outros ou os mesmos delitos.
Em análise sucinta à possibilidade da abrangência dessa finalidade aos indivíduos delinqüentes, vê-se com clareza o desfalque etimológico da palavra ressocializar em face à perturbadora realidade. Tendo em vista que não se vê hoje senão uma grande maioria de indivíduos saindo de prisões e cometendo delitos ainda piores do que os quais entraram, fazendo-os até com mais técnica, dando certamente a entender que o sistema penitenciário é senão uma “fábrica de profissionais do crime”, dando ênfase à frase de Evandro Lins e Silva quando diz que a prisão “perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece. É uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas, onde se diploma o profissional do crime.”
Em detrimento a tal realidade e ao fato de seu exacerbado e preocupante crescimento surge o advento de medidas alternativas à reclusão e detenção (Penas Privativas de Liberdade), chamadas Penas Restritivas de Direitos, ou Penas Alternativas, ou ainda Medidas Alternativas, que serviriam para casos de crimes de menor potencial ofensivo.


I – Das espécies de pena

I.I – Privativas de Liberdade


As espécies de penas estão dispostas no artigo 32 do Código Penal, sendo estas: I – privativas de liberdade; II – restritivas de direito; III – de multa.
As penas privativas de liberdade se subdividem em: Reclusão e Detenção.
“A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.” (Art. 33, caput, CP)
O regime fechado dar-se-á “em estabelecimento de segurança máxima ou média.” (Art. 33, § 1º, alínea “a”, CP) e será estabelecido quando o condenado for acometido “a pena superior a 8 (oito) anos.” (Art. 33, § 2º, alínea “a”, CP) ; enquanto o regime semiaberto dar-se-á em “colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.” (Art. 33, § 1º, alínea “b”, CP) e estabelecer-se-á ao “condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto.” (Art. 33, § 2º, alínea “b”, CP); e o regime aberto em “casa de albergado ou estabelecimento adequado.” (Art. 33, § 1º, alínea “c”, CP), sendo estabelecido ao “condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.” (Art. 33, § 2º,  alínea “c”, CP). As mulheres cumpriram pena em estabelecimento próprio (regime especial) conforme disposto no artigo 37 do Código Penal.
As penas privativas de liberdade têm caráter progressivo, ou seja, o bom comportamento do preso e o cumprimento parcial estabelecido em lei garantem sua progressão de regime, conforme o disposto no art. 112 da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).


I.II – Restritivas de Direitos


Essas penas foram criadas com a finalidade de alcançar em sua totalidade os crimes de menor potencial ofensivo, e assim discipliná-los com outra forma de sanção penal que não seja a pena privativa de liberdade, ou seja, as Penas Restritivas de Direito, ou Penas Alternativas, partem em primeiro plano em busca da substituição das penas privativas de liberdade, para que o indivíduo tenha chances de ressocialização fora dos portões carcerários, mas indubitavelmente sem deixar de ser devidamente punido pelo ato delituoso.
Elas são aplicadas em períodos de curta duração, zero a quatro anos, em delitos como: injúria, difamação, calúnia, furto, desacato à autoridade, lesão corporal leve, entre outros disciplinados por nosso ordenamento jurídico que sejam considerados de menor potencial ofensivo.
Não eram muito aplicadas no Brasil pela dificuldade encontrada pelo judiciário na fiscalização acerca dos cumprimentos das prestações, já que a infraestrutura estatal não colaborava para tal feito, e sendo problema também para a população, que não olhava com bons olhos para essas medidas, tendo intrínseca a idéia de que esta não era punição cabível.
 Elencadas no artigo 43 do Código Penal são elas: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição temporária de direitos; e) limitação de fim de semana.


I.II.I – Prestação Pecuniária


“A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima”, em caso este não o possa receber, a seus dependentes, em caso esses também não o possam, então dar-se-á “à entidades públicas ou privadas com destinação social”. Esta prestação (o quantum) será sempre superior a um salário mínimo e inferior a trezentos e sessenta salários mínimos.
O leque da prestação pecuniária é aberto no § 2º do artigo 45 do Código Penal, sendo aplicável, quando na “aceitação do beneficiário”, a prestação de outra natureza, como por exemplo, as antigas, mas famosas, “cestas básicas”, que há não muito tempo atrás foram regularmente usadas como prestação pecuniária, sem às vezes haver se quer o consentimento do beneficiário, o que era estranho aos olhos da lei, mas foram muito utilizadas, na época, pelos magistrados.
Importante se faz ressaltar que prestação pecuniária e multa têm diferenças, sendo que a primeira o montante beneficia uma pessoa, seja ela a vítima, seus dependentes, ou entidades públicas ou particulares com destinação social, enquanto a segunda, reverte-se a favor do Estado.

I.II.II – Perda de Bens e Valores


Esta espécie de pena alternativa está disposta pelo artigo 45, em seu § 3º, que dispõe: “A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime”, ou seja, todo proveito que o delinqüente obteve em razão da conduta criminosa ou ainda todo prejuízo causado por este será revertido ao Fundo Penitenciário Nacional, ressalvada legislação especial.
Vale ressaltar que esta modalidade de pena, nada tem a ver com a perda em favor da união, tratada pelo artigo 91, inciso II, Código Penal, e assim diferencia Victor Eduardo Rios Gonçalves:
“A perda em favor da União é um efeito secundário da condenação (aplicado conjuntamente à pena privativa de liberdade ou de outra natureza), dos instrumentos do crime, que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, ou do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do ato criminoso”


I.II.III – Prestação de Serviço à Comunidade


Disciplinada pelo artigo 46, a prestação de serviço à comunidade tem como objetivo fazer com que o apenado retribua à sociedade o dano que outrora provocou, com a finalidade de reinserção social sem os estigmas que uma pena privativa de liberdade, ainda que de curta duração, poderia causar.
Importante é deixar claro que esta modalidade de pena, tem caráter retributivo, e não o é de modo algum considerado trabalho forçado, como assim vedado por nossa Carta Magna, sendo observadas as aptidões do condenado, de maneira que o serviço a ser prestado não prejudique seu trabalho, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação (Art. 46, § 3º, CP).
Esta pena é imposta por tempo limitado, e é aplicável aos condenados à pena privativa de liberdade superior a seis meses (Art. 46, caput, CP), é prestada gratuitamente (Art. 46, § 1º, CP), e dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais (Art. 46, § 2º, CP).
A lei permite que esta prestação seja cumprida em tempo inferior ao da pena privativa de liberdade, desde que a pena substituída seja superior a um ano, e não seja efetuada em período inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada, conforme os ditames do artigo 46, em seu § 4º do Código Penal.
As penas de prestação de serviço à comunidade poderão ser convertidas em privativas de liberdade quando o apenado: I) Não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido ou desatender à intimação por edital; II) Não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deve prestar serviço; III) Recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe for imposto; IV) praticar falta grave; V) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade cuja execução não tenha sido suspensa; Reza o artigo 181, § 1º,  da LEP (Lei de Execuções Penais).


I.II.IV – Interdição Temporária de Direitos


É classificada com uma das mais importantes modalidades de penas alternativas, pois reflete explicitamente na limitação dos direitos individuais do apenado. Sendo assim, o artigo 47 do Código Penal traz em seu texto quais sejam estas limitações:
“I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;
II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;”
O disposto nestes dois incisos aplica-se aos crimes praticados durante o exercício de profissão, atividade, ofício, cargo ou função, sempre que houver violação dos deveres que lhes são inerentes, conforme o disposto no artigo 56 do Código Penal.
“III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;”
Conforme neste explicitado, aplica-se também aos crimes culposos de trânsito, conforme os ditames do artigo 57 do Código Penal.
“IV – proibição de freqüentar determinados lugares;”
Tal proibição é aplicada quanto aos lugares que tenham a ver com a conduta delituosa praticada e que assim possam ter influência criminal sobre o condenado, como por exemplo, casas noturnas, bares, estádios de futebol, etc.
O parágrafo 3º do artigo 181 da Lei de Execuções Penais, também poderá converter-se em privativa de liberdade na hipótese de o apenado exercer, injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer as hipóteses das letras a e e do parágrafo 1º deste mesmo artigo, sendo estas: “a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender à intimação por edital; e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.”


I.II.V – Limitação de Fim de Semana


Dispõe claramente o artigo 48 do Código Penal sobre esta modalidade de pena:
“Art. 48 – A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.” E o parágrafo único do mesmo artigo ainda disciplina que “poderão ser ministradas ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.”
Esta modalidade de pena ainda parece um fictício jurídico, pois para o cumprimento da mesma é necessário que haja casas de albergado ou estabelecimentos adequados, que são escassas, infraestrutura e profissionais qualificados com a finalidade de uma real reeducação social.
Ademais, o parágrafo 2º do artigo 181 da Lei de Execuções Penais ainda prevê a conversão desta modalidade de pena restritiva de direito à privativa de liberdade quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, ou ainda recusar-se a exercer a atividade determinada pelo juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras a, d e e do parágrafo 1º do referido artigo.


I.III – De Multa


O artigo 49 do Código Penal dispõe de maneira clara acerca desta modalidade de pena, sendo “a pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.”, sendo o valor do dia-multa fixado pelo juiz não inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato gerador, nem superior a cinco vezes esse salário.
A pena de multa está disposta integralmente na Seção III do Código Penal dos artigos 49 a 52.


I.IV – Referências Bibliográficas
MONTESQUIEU. "Do Espírito das Leis", Coleção Os Pensadores, Nova Cultural, 2000
BECCARIA, Cesare. "Dos Delitos e das Penas", Martin Claret, 2000
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Código Penal - Parte Geral, 4ª ed. Saraiva, 2000
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte Geral, Vol. 1, 31ª ed., Saraiva, 2010