segunda-feira, 13 de maio de 2013

Internação Compulsória de dependentes químicos


Autor:Rafael Wiziack Rodrigues


SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO;2. PREVISÃO LEGAL; 2.1 LEI 10.216/01; 2.2 PLS 111/10; 3. MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO; 4. OPINIÕES DE ESPECIALISTAS; 5. A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA EM OUTROS PAÍSES; 6. O SOCIAL; 6.1 MOVIMENTOS SOCIAIS; 6.2 PROBLEMAS SOCIAIS; 7. CONCLUSÃO.


1. INTRODUÇÃO

Em janeiro deste ano, sob uma forte polêmica começou a vigorar em São Paulo a internação compulsória de dependentes químicos. Trata-se de um da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo), em parceria com as Secretarias da Saúde e Assistência Social da Prefeitura, que determina a necessidade de internação de crianças e adolescentes dependentes químicos. A ação conta com o apoio da Seccional paulista da OAB, do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública de São Paulo.

A ação cria uma equipe que é integrada por médicos, assistentes sociais e juízes que tem como sede o CATROD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras drogas), localizado no Parque da Luz, região próxima ao centro do problema em São Paulo, a Cracolândia.


2. PREVISÃO LEGAL


2.1 LEI 10.216/01

De acordo com a lei 10.216/01, Lei Federal de Psiquiatria, pode-se recorrer à internação compulsória, que ao contrário da internação involuntária, necessita-se de autorização da família. O artigo 9º da referida lei estabelece a possibilidade da internação compulsória, sendo esta sempre determinada pelo juiz competente, depois de pedido formal, feito por um médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a sua condição psicológica.

A internação compulsória está prevista na lei para aplicação naquelas situações em que há necessidade de intervenção estatal (questão de saúde pública), mas não há solicitação de familiar para a internação. Nestes casos, tanto o Ministério Público quanto o setor próprio da área de saúde pública podem formular ao Judiciário o pedido de internação compulsória do paciente.

Partindo do pressuposto de que toxicômanos são considerados civilmente incapazes pela legislação vigente, podendo, assim, ser levados à avaliação de um psiquiatra mesmo contra a vontade, e de que menores viciados não têm capacidade para decidir o que devem fazer, o parecer considera legal a internação compulsória. O atual ordenamento jurídico estabelece que a internação compulsória só é admitida por meio de determinação judicial, fundada em laudos médicos que comprovem a necessidade de tratamento em virtude da gravidade da doença e do risco que ela representa ao paciente, à família e ao convívio social.

O pedido de internação compulsória deve ser direcionado ao Juiz da Vara de Família, pois o fundamento do pedido é o fato de o usuário de substância entorpecente estar impossibilitado, momentaneamente, de decidir acerca do próprio interesse, no caso sua saúde. De qualquer forma, a medida, deferida em caráter emergencial e temporária, deve preceder de manifestação do Ministério Público e será sempre deferida no intuito de proteger o interesse do usuário. O magistrado jamais deve fixar o tempo da internação, pois caberá ao especialista responsável pelo tratamento decidir sobre o término da internação.


2.2 PSL 111/10

A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou um projeto que prevê a possibilidade de internação compulsória ou tratamento especializado para usuários de drogas. Isso se dará mediante parecer de uma comissão composta por três profissionais de saúde com experiência em tratamento de dependentes químicos, pelo menos um deles médico.
Inicialmente, o projeto de autoria do senador cassado Demóstenes Torres (ex-DEM) estabelecia a prisão para os usuários de drogas. Quem fosse flagrado usando drogas poderia ficar preso de seis meses a um ano segundo a proposta.

O juiz, porém, poderia substituir a pena privativa de liberdade por tratamento especializado.
A relatora da matéria, senadora Ana Amélia (PP-RS), propôs o substitutivo aprovado e destacou que a comissão avaliou apenas as questões relativas à proteção da saúde dos usuários e dependentes de drogas. A matéria vai passar pelas comissões de Direitos Humanos e Constituição e Justiça. Depois segue para o Plenário da Casa e então, por se tratar de um Projeto de Lei do Senado, é encaminhado à Câmara dos Deputados. O senador Humberto Costa (PT-PE) e a senadora Ana Rita (PT-ES) já adiantaram que pretendem propor alterações ao texto. Um dos pontos de divergência é a internação compulsória.
O governo de São Paulo deu início às internações involuntárias de dependentes químicos em janeiro deste ano para atender medidas de urgência de viciados que não têm domínio de sua própria saúde e condição física e se negam a receber tratamento. A iniciativa foi seguida pelo Rio de Janeiro, que começou com internações compulsórias de adultos dependentes de crack em fevereiro deste ano.


3. MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO

O governo do Estado de São Paulo aproveitou-se do que já fora previsto em lei e criou medidas para com cumprimento mais eficiente da lei. A parceria adotada pelo governo tem como objetivo agilizar e tornar mais célere o processo de internação. O que o Estado quer, em parceria com o Judiciário, é aplicar a lei para oferecer uma possibilidade de reabilitação para os dependentes e, consequentemente, para suas famílias.

Para o cumprimento da lei e sua celeridade foi determinada a instalação de um anexo do tribunal no CATROD, que visa atender as medidas de urgência relacionadas aos dependentes químicos.

Todo o processo de internação ainda será iniciado pelos agentes de saúde, a diferença crucial é que os representantes do judiciário, instalados no tribunal anexo do CATROD darão pleno andamento ao processo, consequentemente, a determinação judicial para internação (involuntária ou compulsória) será mais rápida.

Caso o paciente, dependente químico, não queira ser internada, o juiz poderá determinar a internação imediata do mesmo. Isso tudo com o aval dos médicos responsáveis e que considerem que a pessoa corra risco, atestando que o mesmo não tem domínio sobre sua condição física e psíquica.

De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, mesmo antes da medida, desde o inicio da “Operação Centro Legal” em 2009, já foram realizadas cerca de 2800 internações, e cerca de 300 casos foram de internação compulsória.

A não participação da policia militar em todo o processo é fundamental. Todo o processo de internação seguirá os protocolos que regem a área da saúde e a garantia dos direitos humanos e individuais dos usuários.


4. OPINIÃO DE ESPECIALISTAS

Ronaldo Laranjeira, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, diretor do INPAD (instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Drogas) diz:

“ Nos casos mais graves, a internação é a alternativa mais segura. O ideal seria que ninguém precisasse disso, mas a dependência química é uma doença que faz com que a pessoa perca o controle”.

Drauzio Varella, médico oncologista, cientista e escritor. Foi voluntário na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) por treze anos e hoje atende na Penitenciária Feminina da Capital, diz:

“Sou a favor da internação compulsória dos usuários de crack, que perambulam pelas ruas feito zumbis. Por defender a adoção dessa medida extrema para casos graves já fui chamado de autoritário e fascista, mas não me importo.

A você, que considera essa solução higienista e antidemocrática, comparável à dos manicômios medievais, pergunto: se sua filha estivesse maltrapilha e sem banho numa sarjeta da cracolândia, você a deixaria lá em nome do respeito à cidadania, até que ela decidisse pedir ajuda? De minha parte, posso adiantar que fosse minha a filha, eu a retiraria dali nem que atada a uma camisa de força.

Para lidar com dependentes de crack é preciso conhecer a natureza da enfermidade que os aflige. Crack é droga de uso compulsivo causadora de uma doença crônica caracterizada pelo risco de recaídas.

É de uso compulsivo, porque vai dos pulmões ao cérebro em menos de 10 segundos. Toda droga psicoativa com intervalo tão curto entre a administração e a sensação de prazer provocada por ela, causa dependência de instalação rápida e duradoura —como a que sentem na carne os dependentes de nicotina.

As recaídas fazem parte do quadro, porque os circuitos de neurônios envolvidos nas compulsões são ativados toda vez que o usuário se vê numa situação capaz de evocar a memória do prazer que a droga lhe traz.

Quando os críticos afirmam que internação forçada cura a dependência, estão cobertos de razão: dependência química é patologia incurável.”


5. A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA EM OUTROS PAÍSES

Em doze estados norte-americanos há previsão legal para a internação compulsória ou a involuntária. O Canadá possui legislação específica para o tratamento forçado de viciados em heroína. A Austrália possui legislação que permite aos juízes a condenação ao tratamento compulsório de dependentes que cometeram crimes.


6. O SOCIAL


6.1 MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Há movimentos contrários a internação compulsória que dizem que a medida é um atentado à liberdade do indivíduo. Porém há a posição contrária, que diz que a medida é uma forma de prevenção, para assegurar os direitos fundamentais à vida, à integridade física do dependente químico e à segurança de todos os cidadãos.

6.2 PROBLEMAS SOCIAIS

É necessário ressaltar o problema social que envolve as drogas. As medidas tomadas com caráter extremista, emergencial e de curto prazo, como a internação compulsória, devem servir de ponto de partida para que o governo tome providências efetivas para o combate às drogas. Nas grandes capitais como, por exemplo: São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, criou-se retiros em locais públicos, coletivos e de uso comum, para o uso indiscriminado de drogas. A mais comum e letal é o crack, que deu o nome no centro da cidade de São Paulo, nas imediações avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Cásper Líbero e a rua Mauá, onde historicamente se desenvolveu intenso tráfico e uso de drogas.


7. CONCLUSÃO

As medidas tomadas visam não somente retirar os moradores de rua dependentes químicos de suas localidades, mas também, oferecer a possibilidade de reintegrar-se à sociedade. De nada adianta fazer com que apenas se transfiram de lugar, isso seria apenas transferir o problema.

O combate às drogas é amplo, temos que abordar vários aspectos para entender o problema. Primeiramente a questão da falta de amparo do Estado, dependentes químicos sofrem de transtornos psíquicos e que necessitam de acompanhamento. Precisamos ir mais além, buscar onde surge o problema. Não há dúvidas que diversos fatores são atenuantes para a situação dessas pessoas, alguns deles são: condição de moradia, educação, saúde e condição financeira. Esses fatores influenciam no consumo e principalmente no estímulo ao tráfico de drogas. Enquanto o consumo for alto, o tráfico ainda será algo atrativo financeiramente.

O aumento no consumo de drogas, com efeito, tão devastador quanto o crack, acarreta, também, no aumento da violência e criminalidade onde se concentram traficantes e usuários, como é o caso da Cracolândia.

As providências tomadas pelo Estado, quanto à internação compulsória, não devem cessar com o fim da internação. É de responsabilidade do Estado o acompanhamento desse indivíduo, oferecendo possibilidades de aprendizado, trabalho e projetos sociais. Há de se fazer com que cada dependente químico recupere a sua vida normal, tenha um trabalho digno e opções que lhe proporcionem prosperidade, evitando assim, recaídas e a volta ao estado anterior.

O Relatório Brasileiro sobre Drogas, publicado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) informa que o uso de entorpecentes é um dos maiores problemas de saúde pública enfrentados no Brasil. Dados do levantamento revelam que, na região Sudeste, 24,5% das pessoas já fizeram uso de algum tipo de droga em algum momento da vida. No Nordeste, o percentual é de 27,6%.

Devemos ressaltar o deslocamento da questão para a área da saúde pública, que tenhamos políticas eficientes, direcionadas aos usuários com baixa dependência e a internação compulsória, como medida de solução para os que já foram dominados pelo vício, visando sua recuperação e reintegração. E talvez, cada recuperado possa ser um representando da causa contra drogas, como vem acontecendo muito. Exemplo disso são os membros da Associação Missão Belém, que são pessoas que já estiveram em situação de rua e dependência química e foram reinseridos socialmente pelo trabalho da própria Missão, que até hoje já retirou mais de 400 dependentes das ruas. A internação obrigatória é um instrumento capaz de responder à sociedade e à própria proteção e preservação dos direitos dos usuários, para que tenham, pelo menos, a chance de recuperação.

Podemos criar inúmeras medidas para o combate às drogas, desde a internação compulsória até o enrijecimento das leis. Mas enquanto não for feito um trabalho sério, com todo o acompanhamento necessário por parte do Estado e, acima de tudo, com estrutura para poder oferecer boas condições de reabilitação e reparação, a sociedade continuará a perder essa luta.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Decreto - Lei da Reforma Psiquiátrica - Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001


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OLIVEIRA, Patricia. Ana Amélia defende internação compulsória para dependentes químicos. Agência Senado, 21 Jan. 2013. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/01/21/ana-amelia-defende-internacao-compulsoria-para-dependentes-quimicos>


CAMPOS, Valdir Ribeiro. Internação Compulsória: O melhor caminho para tratar dependentes químicos? Em: <http://www.uniad.org.br/desenvolvimento/index.php/artigos/18004-internacao-compulsoria-o-melhor-caminho-para-tratar-dependentes-quimicos> Acesso em: 29 Abril 2013.